A história do cinema, assim como a de outras artes, vê surgir de tempos em tempos uma obra especial, que conjuga qualidade, inovação e momentum de um tal modo que transforma tudo: a partir dela, as novas obras terão necessariamente de tomá-la por referência, e a maioria sairá perdendo na comparação. Exemplos não faltam: o Don Giovanni de Mozart, as pinturas de Monet e Van Gogh, os versos de Rimbaud, as gravações da Blanton-Webster Band de Duke Ellington, ou a obra de Pixinguinha. É nessa categoria seleta que se enquadra Aurora (Sunrise: A Song of Two Humans), lançado em 1927.
Um dos melhores filmes do cinema mudo (e da Sétima Arte como um todo), Aurora foi a primeira produção hollywoodiana do diretor alemão F. W. Murnau (Nosferatu, A Última Gargalhada, Tabu). A trama é simples: um homem casado (George O’Brien) se envolve com outra mulher (Margaret Livingston) e planeja matar a esposa (Janet Gaynor), mas se arrepende no último momento e busca o perdão. Nas mãos de Murnau, esse material virou um filme sublime, em que cada quadro transpira emoção.
O Homem (George O'Brien) e a Mulher da Cidade (Margaret Livingston)
São muitas seqüências memoráveis: as andanças do protagonista, a chegada do casal à cidade, o parque de diversões e, principalmente, a cena da igreja. Um aviso: se você chora com facilidade, é melhor pular essa parte. Os efeitos visuais são fascinantes, com sobreposições de imagens, mudanças de perspectiva e arriscados planos-sequência. As inovações de Aurora acabaram por influenciar o trabalho de cineastas famosos que começaram nessa época, como Alfred Hitchcock e John Ford, sedimentando o legado de Murnau para o cinema. Não se detenha diante do fato de este ser um filme mudo: mais de oitenta anos depois, Aurora ainda conserva uma das narrativas mais sofisticadas e originais da história.
Uma das belas imagens compostas por Murnau
Embora seja difícil de encontrar em lojas e locadoras, o filme possui uma edição nacional, da Versátil, com ótima qualidade de imagem e extras interessantes (biografia do diretor, fotos da produção e até mesmo cenas descartadas). Vale muito a pena conhecer esse trabalho, e experimentar o cinema como arte em seu nível mais elevado.
Um beijo faz o mundo parar
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