O Rush é uma banda desconhecida pela maioria, ironizada por muitos e cultuada por alguns. O documentário Rush: Beyond the Lighted Stage, do canadense Sam Dunn, foi feito para esse grupo pequeno, mas fiel. Ao contrário de Flight 666, registro de Dunn sobre a turnê do Iron Maiden em 2008 (mais informações sobre o filme e o documentarista aqui), “Beyond” defende abertamente a importância da banda de Ontario para a música. Felizmente, Dunn fez bem por dedicar pouco tempo à autoafirmação de metaleiro e, em vez disso, mostra, não conta, a história do Rush.
O Rush surgiu nos anos 1970 e é ao mesmo tempo culta, com músicas inspiradas em obras da literatura e em temas existencialistas, e cult, pois é objeto de culto entre poucos. No início do documentário sobre a banda, vemos o baterista Neil Peart envelhecido, o guitarrista Alex Lifeson gordo e o vocalista/baixista/tecladista Geddy Lee, bem, ahn, narigudo como sempre. Os três conseguem manter o pique e a amizade mesmo depois de tanto tempo de banda e de convivência. Leve como eles, o filme se desenvolve linearmente. Primeiro, vemos Geddy e Alex contando as suas histórias pessoais, de filhos de imigrantes fugidos da Segunda Gerra. Os amigos de infância descobriram juntos o rock na escola e desde lá puseram a música como objetivo de vida. Depois vemos como Neil Peart, literato e principal letrista, entra na banda, depois dos excessos do antigo baterista, John Rutsey, terem passado do limite.
Lee, Peart e Lifeson.
Todos os relatos do trio, que vão dos anos 1970 aos dias de hoje, são completados com fotos, vídeos de época e entrevistas com músicos famosos. Kirk Hammet, guitarrista do Metallica, e Jack Black, creditado como vocalista do Tenacious D, falam antes como fãs do Rush do que como ídolos de milhões mundo afora. Gene Simmons, baixista do Kiss, elogia a pouca importância que a banda dá à mídia e à opinião dos outros. Eis um ponto essencial do filme: não importa se a Rolling Stone acha as músicas longas, as letras sobre ficção científica e existencialismo chatas e a voz de Geddy Lee bonita como a de um rato preso numa ratoeira. O que importa para são os fãs, que têm as suas aflições expressadas nas letras de Neil Peart com a leveza de uma conversa informal.
Neil Peart, o cara que transforma um solo de bateria numa coisa legal.
Felizmente, pouco tempo é dedicado à “marginalização”do Rush. Sam Dunn procura mostrar o valor do trio a partir da história de todos os álbuns, com suas características e recepção de público, da complexidade musical do trio. Lifeson é um guitarrista refinado que faz o difícil soar fácil, e Lee, um multiinstrumentista. Mas Peart tem mais destaque. Ele é apresentado como o letrista principal do Rush, o baterista ultratécnico e respeitado mundo afora que, mesmo assim, vai aprender mais no Jazz e o motoqueiro que saiu numa jornada zen depois que a filha morreu. O Brasil fez muito bem a ele, pois a turnê do Vapor Trails (2002), o álbum de depois da sua tragédia pessoal, passou por aqui. Em São Paulo, a banda tocou para 60 mil pessoas, seu maior público, e a energia brasileira lhes mostrou que valia a pena continuar com a banda.
CD/DVD gravado no Maracanã, durante a turnê Vapor Trails.
Sam Dunn constrói a sua filmografia a partir da necessidade de autoafirmar o heavy metal como produção cultural. Por causa disso, é mais comum ver metaleiros interessados nos seus documentários do que outros públicos: “olhem lá, seus posers, metal também é cultura!”, diria um banger. Em Rush: Beyond the Lighted Stage, seu quarto filme, Dunn está menos robert, pois não se coloca como personagem ou narrador e principalmente procura menos explicitamente a aprovação de um grande público para o seu gosto. Agora, achar o tom certo entre satisfazer a sua devoção por heavy metal e ao mesmo tempo o público não-metaleiro é questão de tempo.
NOTA: 8,0
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