por Gabriel Oliveira
Na premiação do Oscar do ano passado, um dos únicos momentos decentes da cerimônia foi a homenagem ao diretor e roteirista John Hughes, falecido em agosto de 2009. Hughes era o responsável por filmes como O Clube dos Cinco e Gatinhas & Gatões, mas era lembrado, principalmente, por ter realizado uma das comédias mais cultuadas do cinema: Curtindo a Vida Adoidado (Ferris Bueller’s Day Off).
O filme de 1986 conta a estória (e eu ainda preciso dizer?) de Ferris Bueller (um Matthew Broderick bem novinho), o garoto que já acumulou nove faltas em apenas um mês, e em suas escapadas da sala de aula, arrasta consigo sua namorada Sloane (Mia Sara) e seu melhor amigo, Cameron (Alan Ruck). Especialista em forjar doenças e armar esquemas sofisticados que enganam os pais e comovem professores, colegas e metade da cidade, a ponto de fazê-los promover a campanha “Salve Ferris!”, para lhe comprar um novo rim, ele acha muito mais interessante passear pelas ruas de Chicago do que aturar horas ouvindo sobre a economia na Grande Depressão (“Bueller…?”, pergunta o professor durante a chamada, numa cena engraçadíssima). Enquanto isso, correm em seu encalço o diretor Ed Rooney (Jeffrey Jones, de Beetlejuice), determinado a capturar o aluno fujão – e que nessa perseguição também protagoniza alguns dos momentos mais engraçados do filme –, e sua irmã invejosa Jeanie (Jennifer Grey, Dirty Dancing), amargurada por saber que não importa o que aconteça, Ferris é sortudo o suficiente para nunca ser pego.
Curtindo a Vida Adoidado é um belo exemplo da característica que marcou os filmes de John Hughes: a adolescência, compreendida em toda a sua efervescência. Apesar das soluções simplistas para os conflitos do filmes, o que o tornou alvo de críticas negativas, o diretor mostra compreender a juventude como mais do que meros “aborrecentes” (e nesse ponto, O Clube dos Cinco também é ótimo): Ferris, o garoto cheio de ousadia, que quer viver cada dia como se fosse o último, em contraponto ao amigo Cameron, extremamente neurótico e com dificuldades de relação com o pai, que ama mais sua Ferrari do que a própria esposa. O diretor Rooney, por sua vez, é a figura do adulto totalitário e que parece não enxergar mais nada além do trabalho. Aliás, a identificação do filme com o espectador jovem é tanta que Ferris conversa com seu público, e exerce o papel de um quase guru não só para Cameron, mas para todos nós. “A vida passa tão rápido, que se você não parar e olhar ao redor, você pode perdê-la”, diz ele em uma de suas pílulas de sabedoria.
Justamente por conta das neuroses de Cameron, Ferris decide fazer deste um dia especial, que marque a vida do amigo e o faça ganhar um pouco mais de amor-próprio. E assim, depois dos três visitarem juntos alguns pontos turísticos, jantarem num restaurante chique e enganar o maitrê esnobe, presenciamos a cena mais antológica do filme – que só me lembra minhas tardes de infância regadas a Sessão da Tarde –: o momento em que Ferris invade um desfile, sobe num carro e dubla “Twist and Shout”, dos Beatles, fazendo todo mundo dançar. Uma cena de fazer os olhos brilharem.
O filme pode até ser visto como puramente simples e comercial, mas o fato é que Curtindo a Vida Adoidado, graças a seu status de filme favorito da juventude dos anos 80, e suas falas e cenas memoráveis, tornou-se um clássico do cinema, que faz você se sentir bem quando assiste. Pra mim, é a cura pra depressão. Além disso, é a prova de que se pode fazer uma comédia hilária e inesquecível sem ter que recorrer ao escracho, como cada vez mais se faz hoje em dia. Afinal, quem nunca quis, por apenas um momento, ser Ferris Bueller?
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