A Bruxa de Blair marcou o fim dos anos 1990 por causa do seu terror de sugestão e pela farsa que era. Como foi anunciado como uma história real, muitos acreditaram que os acontecimentos do filme rodado com restrições orçamentárias tinham acontecido mesmo. Muitos já copiaram sua fórmula, que se mostrou eficiente só num primeiro momento. Mesmo assim, o terror uruguaio A Casa a reutiliza. Dirigido por Gustavo Hernández, destacam-se no filme a fotografia e a tensão baseada no subentendido e na escuridão. Curiosamente, seus maiores pontos fracos não vêm do recurso do “olha, isso é real” nem por ter sido filmado com apenas seis mil dólares. Suas falhas poderiam acontecer em filmes de qualquer orçamento.
O enredo não tem muita complexidade num primeiro momento. Wilson (Gustavo Alonso) e Laura (Florencia Colucci) são pai e filha que vão limpar uma casa abandonada a pedido do amigo da família Néstor (Abel Tripaldi). Quando entram lá, acontecem fenômenos estranhos. Devido às circunstâncias, Laura se vê obrigada a investigá-los.
Os maiores trunfos de A Casa são a narrativa visual e a fotografia. Os diálogos foram reduzidos ao mínimo. Isso abriu espaço a uma narrativa em que vamos descobrindo seus detalhes e as relações de seus personagens a partir do pouco que vemos. Colucci faz um trabalho competente ao mostrar a personalidade de Laura e suas emoções, gradualmente deterioradas, sem articular muitas palavras. O minimalismo também se aplica à iluminação. O lampião que Laura carrega consigo dentro da casa mais nos esconde do que nos mostra o que está acontecendo. Assim, claustrofobia e ansiedade são sentimentos que o filme pode despertar no espectador. Até mesmo quando os personagens estão fora da casa há desconforto, graças ao cinza dominante nesses momentos.
A imagem, que não tem o foco rigorosamente definido – ou até mesmo não o tem –, e a tremedeira da filmagem são fundamentais para a atmosfera de A Casa. O foco instável ajuda a delimitar um número reduzido de informações na tela e a expressar a agonia de Laura e exercitar a capacidade de nós subentendermos as coisas. Já a instabilidade da imagem dá a ideia de que estamos observando a situação sem estar nela em boa parte do filme. Além disso, tudo foi filmado como se fosse um grande plano-sequência. É interessante notar que toda a fotografia foi elaborada com um rigor formal disfarçado ali e acolá de amadorismo. Amadorismo mesmo acontece quando dá de ver a junção de planos por causa da posição da protagonista na imagem.
A Casa usou as adversidades ao seu favor, mas falhou em algo que não consome tanto dinheiro, pelo menos diretamente: o roteiro. Nas suas duas primeiras partes, a história se desenrola sem nenhuma “forçada de barra” narrativa. Infelizmente, na sua terceira e última parte, quando os porquês dos acontecimentos são explicados, o filme nos traz informações que acabam dando incoerência a tudo que tinha acontecido anteriormente. Para piorar, o roteiro deixa em aberto uma ambiguidade entre esquizofrenia e sobrenaturalidade. Em outros filmes, isso seria um trunfo. Em A Casa, é uma falha porque veio da fragilidade da história em vez de uma decisão consciente.
Nós podemos aproveitar muito mais de A Casa se nos abstrairmos do recurso tolo do “baseado em fatos reais, mas na verdade é tudo de mentirinha”. É um filme que não precisa disso para ter virtudes e nem para ser honesto com os seus propósitos. A falta de recursos financeiros criou uma estética interessante. Porém, não precisa tanto dinheiro assim para criar uma história que choque com a sua revelação final e tenha o mínimo de coerência com o que havia sido mostrado anteriormente. De qualquer forma, A Casa é uma alternativa para quem está meio de saco cheio de só ver filmes americanos nos cinemas, ainda mais se você for manauara.
Agora cabe a você ter consciência de que vai assistir um filme com falhas graves e frustrantes.
Nota: 6,5
P.s.: há uma cena importante depois dos créditos finais.
P.s.2: na verdade, o foco instável e a tremedeira são duas falhas técnicas características da câmera Canon 5D, usada para filmar A Casa. A 5D e suas congêneres são leves a ponto de não garantirem estabilidade numa filmagem “na mão”. Além disso, elas se destinam inicialmente à imagem fotográfica, que possui um foco mais sensível que o da imagem em movimento. Mesmo assim, muitos profissionais do audiovisual estão trabalhando com elas por custarem, geralmente, menos que três mil reais e por filmarem com qualidade de som e imagem para além de satisfatória. Isso foi crucial para Gustavo Hernández. De quebra, ele usou as imprecisões do equipamento a favor dos seus propósitos.
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