por Gabriel Oliveira
Christopher Nolan é um daqueles casos de “ame-o ou deixe-o”. O diretor gosta de histórias quase épicas e com um toque sombrio (o que explica muito ter sido ele escolhido para o novo Batman). Mas sua maior habilidade é mergulhar nas confusões psicológicas de seus personagens (e das próprias histórias), e deixar os espectadores tão perdidos quanto as figuras na tela, bagunçando a estrutura da narrativa convencional ou inserindo detalhes e revelações que nos pegam de surpresa. Todo esse clima de mistério e grandiosidade parece pretensioso demais para alguns, mas a verdade é que Nolan possui inventividade o suficiente para fazer isso muito bem. O lema de Christopher Nolan deve ser o mesmo conselho que Cobb (Leonardo DiCaprio) dá a Ariadne (Ellen Page) em A Origem: “nunca use lugares que você conhece; sempre imagine lugares novos”. Da mesma maneira, Nolan provavelmente está sempre à procura de algo novo, misterioso e surpreendente para mostrar.
Curta: Doodlebug (1997)
Produzido quando Nolan cursava Literatura Inglesa na Universidade de Londres, seu terceiro curta, Doodlebug, ao contrário dos dois primeiros (Tarantella e Lacerny), pode ser encontrado com facilidade aqui, graças ao bom e velho Youtube. São apenas 3 minutos que já mostram um pouco do “jeito Christopher Nolan de fazer filmes”. Até mesmo o princípio da ideia dos “níveis” de sonhos de A Origem já estava ali, ou estou querendo ver ligações que não existem?
Following (1998)
O primeiro longa-metragem de Christopher Nolan conta a estória de um aspirante a escritor que adquire o estranho hábito de perseguir desconhecidos, até que se depara com um ladrão que o instrui na arte de assaltar casas.
Feito com o orçamento de apenas 6 mil dólares, o filme foi realizado com a ajuda de amigos e parentes, com poucos recursos (a iluminação, por exemplo, é quase toda natural), e filmado todo em preto-e-branco. A narrativa é conduzida de maneira não-linear, mostrando fatos em ordem cronológica aleatória. Além disso, o filme já contava com uma surpresa no final, típica do diretor que adora confundir seus espectadores. Aliás, segundo a jornalista Ana Maria Bahiana, é justamente nessa produção independente que reside a semente da qual surgiria, mais tarde, A Origem. Não é à toa que o nome do ladrão seja Cobb, mesmo nome do protagonista da recente superprodução, embora esse seja apenas um detalhe.
Amnésia (Memento, 2000)
A trajetória de um homem viúvo (Guy Pearce) obstinado a encontrar e matar o assassino de sua esposa. O problema é que ele sofre de um problema de perda de memória recente, que o impede de guardar qualquer lembrança de fatos ocorridos depois do incidente que ocasionou a morte da mulher.
Mais uma vez, Christopher Nolan constrói uma narrativa não-linear: a história é mostrada em ordem cronológica inversa, ou seja, o filme começa pelo seu final. Assim, a sensação do espectador é como a do protagonista desmemoriado: como cheguei aqui? O que aconteceu antes disso? O diretor nos guia não ao fim da narrativa, mas sim ao começo dela, como se o filme fosse uma sucessão de flashbacks. O resultado é surpreendentemente bom, e ganhou merecidas indicações ao Oscar por roteiro original e montagem.
Insônia (Insomnia, 2002)
O terceiro longa de Nolan é a refilmagem de um longa norueguês de 1997. Contando com a presença do poderoso Al Pacino no papel principal, o filme conta a história de um policial que mata seu parceiro por acidente durante uma perseguição na neblina. A partir daí, ele tenta encobrir suas pistas, mas passa a ser chantageado pelo assassino a quem perseguia. Tanta pressão psicológica, aliada à iluminação constante de uma cidade do Alasca onde o sol nunca se põe, deixa o protagonista insone por várias noites, e ele se torna cada vez mais perturbado.
Insônia é um bom filme policial, mas nada além disso. Na verdade, possui um clímax tão fraco que eu fiquei me perguntando se era mesmo um filme de Christopher Nolan. Talvez possa ser considerado o longa mais “normal” do diretor, por não conter nenhum truque ou surpresa extraordinária. Até mesmo a perturbação psicológica na qual o protagonista embarca não é tão explorada assim, e a suposta lição de moral no fim do filme soa deslocada. É a experiência hitchcockiana de Nolan.
Batman Begins (2005)
Em 2003, Christopher Nolan se uniu a David S. Goyer, então roteirista de Blade, e se lançou em um novo desafio: convenceu a Warner Bros. a ressuscitar a franquia Batman, que havia sido enterrada depois que passara pela roupagem carnavalesca das mãos (extremamente) ruins de Joel Schumacher. Embora já com uma bagagem de três filmes, Nolan era um diretor relativamente desconhecido do grande público, o que representava um risco para o estúdio. Contudo, o resultado foi sucesso não só comercial, mas também de crítica. Os elogios vieram pelo fato de que, finalmente, víamos um Batman próximo àquele dos quadrinhos, trágico e sombrio. Para contar a origem do herói, o diretor optou pelo uso de um tom realista, que conferisse verossimilhança à estória. Graças ao feito, Christopher Nolan despontou para o grande público.
O Grande Truque (The Prestige, 2006)
Baseado em um conto do irmão do diretor, frequente parceiro em suas produções, O Grande Truque (que, aliás, é um daqueles casos em que o título em português foi uma péssima escolha) narra a disputa entre dois mágicos (interpretados por Christian Bale, com quem Nolan já trabalhara em Batman Begins, e Hugh Jackman), dispostos a grandes sacrifícios para prejudicar um ao outro e atingir o sucesso. Nolan apresenta os pontos de vista de ambos os protagonistas, adotando os dois como narradores em determinados momentos da trama. Novamente, a narrativa é não-linear, e guarda uma grande surpresa no final, em um clímax de tirar o fôlego. É um daqueles filmes a que se reassiste várias vezes, buscando as respostas para o mistério.
Batman – O Cavaleiro das Trevas (The Dark Knight, 2008)
Voltando à franquia do homem-morcego, Nolan provou ser mais versátil do que já parecia: se Batman Begins já mostrava uma maturidade até então incomum para filmes de super-heróis, O Cavaleiro das Trevas foi além nesse quesito, simplesmente ao trazer para a história a figura do Coringa (brilhantemente interpretado por Heath Ledger).
Mais uma vez apresentando o herói em um contexto realista, o diretor construiu um filme mais sombrio que o primeiro, e com um poder devastador sobre o público, acionado não só pela trama na qual o vilão quase roubou toda a cena, mas também por elementos como o uso da trilha sonora tensa de James Newton Howard e Hans Zimmer. Christopher Nolan construiu uma obra magistral, e mais uma vez obteve merecido reconhecimento de público e crítica. O filme foi um arrasa-quarteirões, tornando-se a sexta maior bilheteria mundial.
A Origem (Inception, 2010)
Um homem que conseguiu ressuscitar uma franquia que parecia destinada ao total esquecimento, é queridinho por crítica e público e constrói filmes que, além de inteligentes, são comerciais, já tem o direito de receber carta branca de um estúdio para fazer o que bem entender. Foi exatamente o que aconteceu com Christopher Nolan, que enfim pôde se dedicar a um roteiro de autoria própria sobre o qual já se debruçava há vários anos. Daí veio A Origem (outro péssimo título em português, aliás), o blockbuster que merecia ter levado o Oscar desse ano, mas foi ofuscado pelo simpático O Discurso do Rei. Aliás, é interessante notar como a Academia sempre arruma uma maneira de ignorar injustamente Nolan nas indicações a melhor diretor: deve ser uma espécie de maldição que eu sinceramente espero que passe logo.
O que Nolan fez aqui foi, basicamente, um “filme de assalto”, mas em um cenário inusitado: o universo dos sonhos. Embora o próprio Nolan assuma que não é o melhor filme sobre sonhos já feito, uma vez que ele usou apenas suas próprias experiências, trata-se de um longa magistral em tudo: estética, roteiro e trilha sonora (muito bem conduzida pelo parceiro Hans Zimmer, e também digna de Oscar). É um filme de ação, uma ficção científica, uma metáfora sobre o próprio modo de fazer cinema, e, além de tudo, um longa que, nesses tempos sombrios de continuações de Transformers, prova que um blockbuster pode sim ser inteligente e fazer o público pensar frente a um espetáculo visual (embora algumas pessoas mal-acostumadas não tenham gostado exatamente por isso). E tem a presença do peão mais polêmico da História.
The Dark Knight Rises (previsto para 2012)
A espera fica agora para o próximo filme de Christopher Nolan, que já declarou que será o último da franquia Batman dirigido por ele. Para o capítulo final da trilogia, o diretor convocou atores com quem trabalhou antes, como Tom Hardy, no papel do vilão Bane, Marion Cotillard e Joseph Gordon-Levitt, e também Anne Hathaway, para o papel de Selina Kyle, a Mulher-Gato. Muito se especula atualmente quanto ao roteiro do filme, principalmente pelo fato de que, nos quadrinhos, Bane é responsável por quebrar a coluna do homem-morcego, deixando-o paraplégico. Fica a pergunta: será que é assim que Nolan pretende encerrar a trilogia? A expectativa é muita, mas aguardemos ansiosos, evitando spoilers, até julho de 2012, quando enfim o filme estrear nos EUA (e espera-se que não demore mais do que isso pra chegar aqui também).
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