terça-feira, 12 de julho de 2011

Filmografia - Martin Scorsese


 Por Renildo Rodrigues

 Martin Scorsese é conhecido pelo entusiasmo ardente quando o assunto é cinema. Prestes a completar 43 anos de carreira, o diretor já fez de tudo: policial (Os Infiltrados), terror (Cabo do Medo), filme de época (A Época da Inocência), musical (New York, New York), comédia (Depois de Horas) e épico (Gangues de Nova York), além de obras que desafiam classificação (Taxi Driver, Touro Indomável, A Última Tentação de Cristo, Os Bons Companheiros).

 Martin Marcantonio Luciano Scorsese nasceu em 1942, em Nova York, e começou a carreira no início dos anos 60, quando entrou para a New York Film University. Desde o início considerado um prodígio por professores e colegas, o estudante foi convidado a fazer de seu trabalho de conclusão de curso um feature film (como são chamados os longas lançados em circuito comercial), que seria o cult Quem Bate à Minha Porta. Ao lado de Francis Ford Coppola, Brian De Palma e Steven Spielberg, Scorsese foi um dos pontas-de-lança do cinema independente dos anos 70, movimento inspirado na Nouvelle Vague francesa que trouxe a aspereza e o wit das ruas a Hollywood, produzindo obras-primas como O Poderoso Chefão, Terra de Ninguém e Noivo Neurótico, Noiva Nervosa, entre outras.


Quem Bate à Minha Porta? (1968)
Nota: 7,5
O wiz-kid da NYFU fez sua estreia no cinema com um produto típico dos anos 60: câmera na mão, diálogos acelerados, violência, sexo. Mas Quem Bate à Minha Porta? já guarda algumas características do estilo futuro do diretor, que seriam desenvolvidas à perfeição de Caminhos Perigosos para a frente: a edição elaborada de Thelma Schoonmaker, os protagonistas problemáticos, a ambientação em Little Italy, a presença forte do rock ‘n’ roll na trilha sonora. Como tudo isso aparece de forma melhorada nos filmes seguintes, Quem Bate à Minha Porta guarda interesse somente para os fãs de Scorsese.


Sexy e Marginal (1972)
Nota: - -
Não existe em edição nacional, por isso ainda não pude assisti-lo.


Caminhos Perigosos (1973)
Nota: 8,5
Scorsese entra chutando a porta neste que é um dos filmes mais durões de Hollywood. Com Harvey Keitel e a primeira aparição de Robert De Niro com o diretor, Caminhos Perigosos mostra a que veio desde o início: Little Italy, gangues de rua, pequenos escroques, a Máfia, tiroteios, cantinas, igrejas. E, no meio de tudo isso, o sobrinho de um mafioso (Keitel), que tenta administrar as confusões enquanto se prepara para ascender na organização criminosa. Um jóia da Nova Hollywood.


Alice Não Mora Mais Aqui (1974)
Nota: 8,0
Com o prestígio adquirido após O Exorcista, a atriz Ellen Burstyn escolheu Scorsese para dirigir o seu road movie feminista, sobre uma mãe solteira que cruza os Estados Unidos ao lado do filho pequeno (Alfred Lutter) em busca de uma vida melhor. Difícil imaginar Scorsese, tão associado a tramas tipicamente masculinas, para dar conta desse material, mas ele se saiu muito bem, e o produto final é delicioso de se ver.


Taxi Driver (1976)
Nota: 9,0
Trabalho mais famoso do diretor, Taxi Driver encapsula à perfeição um tempo e um lugar: a Nova York dos mid-seventies, com o ideário hippie-pacifista cedendo o lugar à explosão das gangues de rua e da cocaína. Tudo isso está presente na história de Travis Bickle (Robert De Niro), o taxista sonâmbulo e atormentado que decide resgatar a pequena prostituta Iris (Jodie Foster) de seu antro de corrupção. Até hoje, o filme causa impacto pelo seu forte conteúdo emocional. Uma das obras essenciais de Martin Scorsese, ainda que ele viesse a fazer outras melhores.


New York, New York (1977)
Nota: 7,5
Homenagem de Scorsese aos musicais de Hollywood, New York, New York traz Robert De Niro e Liza Minnelli como dois músicos que vivem um relacionamento tumultuado.  Problemas no roteiro e na construção dos personagens, porém, acabam minando o que poderia ter sido um dos melhores filmes do diretor. Dizem que a música que dá nome ao filme é um clássico da canção americana; pra mim, só se for do repertório kitsch.


Touro Indomável (1980)
Nota: 9,5
Um marco. Saído de um divórcio, mergulhado na cocaína e com a certeza de que o tipo de cinema que praticava havia acabado, Scorsese devotou todas as suas energias à biografia do boxeador Jake LaMotta, com resultados explosivos. Rodado em magnífico preto-e-branco, Touro Indomável apresentou a melhor atuação da carreira de Robert De Niro – pulsante, histriônica, vigorosa e ao mesmo tempo frágil. Joe Pesci e Cathy Moriarty nos papéis de apoio, mais a edição nervosa de Thelma Schoonmaker, ajudam a dar ao filme um senso de urgência e propósito que Scorsese raramente atingiria de novo.


O Rei da Comédia (1983)
Nota: 8,5
Determinado a continuar relevante, Scorsese tomou alguns interessantes desvios de rota nos anos 80, que resultaram em surpresas como esta. O Rei da Comédia confundiu espectadores e críticos em seu lançamento, e permanece um filme desconhecido na obra do diretor até hoje. Injustamente. Com o que provavelmente é a melhor atuação de Robert De Niro depois de Touro Indomável, o filme é uma incursão de Scorsese pela comédia de humor negro. Trazendo ainda Jerry Lewis (numa atuação mais sutil que o habitual), O Rei da Comédia faz uma ácida releitura de Taxi Driver, trocando o taxista solitário por um aspirante a humorista. Dê uma chance ao filme. Vai valer a pena.


Depois de Horas (1985)
Nota: 8,0
Em mais uma detour de seu estilo típico, Scorsese rodou este filme de forma “independente”: rápida, barata e em locação, no SoHo. Segunda incursão do diretor no humor, Depois de Horas consegue ser ainda mais impiedoso do que O Rei da Comédia, embora não cause a mesma empatia. História da noite cada vez mais azarada de Paul Hackett (Griffin Dunne), o filme ganhou uma reputação cult entre cinéfilos alternativos.


A Cor do Dinheiro (1986)
Nota: 7,5
Scorsese vai a Hollywood. Espécie de continuação do clássico Desafio à Corrupção (1959), A Cor do Dinheiro coloca “Fast Eddie” Felson (Paul Newman) novamente na ativa, como mentor e depois rival de Vincent Lauria (Tom Cruise) nas competições de sinuca. Bem dirigido, envolvente, e com ótimas atuações de Newman e Cruise (sim!), ainda assim é um produto mais convencional e, portanto, menor do diretor.

  
A Última Tentação de Cristo (1988)
Nota: 9,0
Scorsese volta à melhor forma com este filme, uma versão altamente pessoal para a história de Jesus Cristo. Willem Defoe, como Jesus, e Harvey Keitel, como Judas, estão excelentes, cenários e roupas são primorosos, e a trama emociona na mesma medida em que surpreende. Tudo funciona neste que é um dos melhores trabalhos do diretor.


Os Bons Companheiros (1990)
Nota: 10,0
A obra máxima de Scorsese, rica em tudo que o torna tão bom: uma visão de mundo ácida, sofisticação narrativa, atuações memoráveis (De Niro e Pesci novamente, agora ancorando Ray Liotta), edição frenética,  rock ‘n’ roll. Tudo se junta na história de ascensão e queda do gângster Henry Hill (Liotta) dentro da máfia italiana. Depois de Os Bons Companheiros, poucas vezes o diretor tentou algo novo, e nunca mais conseguiu repetir a visceralidade alcançada nesta obra. Essencial.


Cabo do Medo (1992)
Nota: 7,0
Uma decepção, ainda mais depois do altíssimo nível de Os Bons Companheiros. De Niro (novamente) faz o psicopata que vem se vingar do advogado vivido por Nick Nolte, em péssima atuação (de ambos). Refilmagem de Círculo do Medo (1962).


A Época da Inocência (1993)
Nota: 9,0
Buscando fugir de sua produção típica, Scorsese encontrou o romance de Edith Wharton e resolveu levá-lo às telas. Deu certo: A Época da Inocência é um de seus melhores trabalhos, uma tocante história de amor ambientada na alta sociedade americana do século XIX. Marca a primeira colaboração do diretor com Daniel Day-Lewis, que depois daria vida a outra trama de época (Gangues de Nova York).


Cassino (1995)
Nota: 8,5
Injustamente malhado em seu lançamento, Cassino é mais um glorioso épico gangster de Scorsese. Continuação informal de Os Bons Companheiros, o filme desta vez se passa em Las Vegas, e traz como protagonista Robert De Niro, novamente em parceria com Joe Pesci. Sharon Stone, que completa o trio central, tem a melhor performance de sua carreira. Assim como Os Bons Companheiros, Cassino é um tour de force cinematográfico, com câmera e edição em lances de puro virtuosismo. Diferente daquele, porém, é um filme longo demais (mais de três horas!), e os personagens não são tão interessantes. Ainda assim, um belo trabalho.


Kundun (1997)
Nota: 8,0
Este filme causou uma grande confusão na época em que foi lançado. Afinal, de ninguém menos que o americaníssimo Scorsese, com seus filmes cheios de gângsteres, tiroteios e rock ‘n’ roll, se esperaria uma biografia do... Dalai Lama? Pois isso é Kundun. Favorito pessoal do diretor, o filme é, realmente, muito bom, mas nada extraordinário. Com um ótimo elenco e um visual exótico e instigante, Kundun reafirma o talento de Scorsese, capaz de elevar o nível de qualquer material que lhe caia às mãos.


Vivendo no Limite (1999)
Nota: 7,5
Uma volta ao cineasta urbano e sombrio de filmes como Taxi Driver e Caminhos Perigosos. Em Vivendo no Limite, Scorsese faz novamente um retrato dos quarters mais violentos de Nova York, dessa vez pelos olhos de um paramédico (Nicolas Cage, numa atuação excelente, por incrível que pareça). Apesar da bravura visual tão típica do diretor, Vivendo... perde dos antecessores por adotar um tom mais distanciado, frio, o que diminui a empatia do espectador com a obra.


Gangues de Nova York (2002)
Nota: 7,5
Se filmes como New York, New York e A Cor do Dinheiro apenas flertavam com a Hollywood mais comercial, Gangues de Nova York escancara o romance de vez. Nova colaboração entre o diretor e Daniel Day-Lewis, o filme também marca a estreia de Leonardo DiCaprio com Scorsese. Infelizmente, é o trabalho mais linear e menos ousado da carreira do diretor, ainda que surpreenda pela ambição (o monumental set do filme foi o último de sua espécie) e guarde algumas belas sequências (o monólogo de Day-Lewis e a revolta popular, por exemplo).


O Aviador (2004)
Nota: 7,5
Um avanço em relação a Gangues de Nova York, mas não muito. Novamente uma trama de época, O Aviador dessa vez embarca na onda das biopics (desculpem), ao relatar a história do magnata recluso e visionário Howard Hughes, que dirigiu o clássico Anjos do Inferno (1930). Curioso imaginar o que o angustiado Scorsese dos anos 80 tiraria deste material. O que ficou, porém, é apenas um filme correto: bem construído, envolvente, com boas atuações (DiCaprio, Cate Blanchett e Alan Alda foram indicados ao Oscar; Blanchett levou o seu), lindamente fotografado, ainda assim linear demais e sem surpresas.


Os Infiltrados (2006)
Nota: 8,5
Um surpreendente up do diretor, que retorna a um terreno familiar em busca da inspiração perdida: os filmes de gângster. DiCaprio está bom como sempre, Matt Damon surpreende com o seu inseguro agente Sullivan, e Jack Nicholson rouba a cena sempre que aparece. Divertido e ao mesmo tempo amargurado, complexo, irônico, mas acima de tudo viciante, como todo bom filme de Scorsese.


Ilha do Medo (2010)*
Nota: 7,5
 Um filme medíocre e excelente ao mesmo tempo. As críticas ficam por conta da fraca história que nada tem de surpreendente, muito pelo contrário. Já os elogios vão para a técnica mais do que refinada de Scorsese em criar um ambiente sufocante com toques de melancolia e tragédia. Isso tudo colocado em uma edição precisa, uma direção de arte impecável, a capacidade inigualável de extrair de seu protagonista o máximo que pode e tomadas sensacionais. "Ilha do Medo" traz o melhor e pior de Scorsese.

* por Caio Pimenta

P.S.: Além dos longas de ficção, Scorsese tem também uma importante carreira como documentarista, sendo responsável por alguns dos mais importantes filmes sobre música já feitos: The Last Waltz (1978), registro do último show da The Band; No Direction Home (2005), sobre a vida do cantor Bob Dylan; a produção da série de documentários The Blues (2003); e Shine a Light (2008), gravação de um show dos Rolling Stones. Mas há também espaço para cinema (Il Mio Viaggio in Italia [1999], sobre o movimento neorrealista; e Uma Viagem Pessoal pelo Cinema Norte-Americano [1995], sobre a história de Hollywood dos primórdios até os anos 60) e literatura (o excelente Public Speaking [2010], sobre a escritora americana Fran Leibowitz). Dois dos projetos atualmente em curso pelo diretor são documentários: uma biografia do guitarrista dos Beatles, George Harrison, e uma do controverso diretor de cinema Elia Kazan. Podemos esperar coisas muito boas por aí!

Um comentário: