Poucas produtoras podem se orgulhar de sua obra como a Pixar. Criada em 1986 pelo magnata da computação Steve Jobs, a empresa se destacou desde o início por seu trabalho visionário na área da animação digital.
Curtas elaboradíssimos deram lugar a longas idem, numa série de produções antológicas. De Toy Story (1995) até Up – Altas Aventuras (2009), a Pixar reinou absoluta.
Mas então veio Carros 2 (2011), sequência de um sucesso de 2006 – e com esse filme vimos, pela primeira vez, a produtora dar um passo em falso. Era uma aventura convencional: redondinha, envolvente, mas nada original, sem a surpresa e a inovação constante a que a Pixar havia nos acostumado.
A recepção negativa gerou dúvidas: poderia o amado estúdio da luminária ter “perdido a mão”?
Essa indagação cercou a estreia de Valente, uma aventura jovial, impetuosa e lindamente rude como sua protagonista, Merida.
Herdeira do trono da Escócia, Merida é educada desde o berço pela mãe, a rainha Elinor, para se tornar uma princesa. O problema é que essa é a última coisa que a garota quer. Merida é um espírito livre, exímia amazona e arqueira, e seu maior prazer é viver aventuras pelos arredores do castelo. Quando os herdeiros dos principais clãs do reino vêm disputar sua mão, Merida se rebela, e tenta fazer a mãe mudar de ideia – se não na conversa, com a ajuda de uma misteriosa feiticeira.
O diferencial mais marcante de Valente, na comparação com outras obras da Pixar, é mesmo sua estrela: primeira protagonista feminina do estúdio, Merida é um personagem fascinante. Com seus cabelos vermelhos cheios e esvoaçantes e sua personalidade indomável, a princesa eletriza o filme quando aparece em cena.
O problema maior de Valente está no uso que se faz da personagem: se Merida, a princípio, está no centro de tudo, a partir do feitiço a história ganha outro rumo, e essa mudança abrupta de tom faz imaginar os caminhos que a trama poderia ter tomado.
Do jeito que ficou, o que era um filme sobre uma personalidade forte e independente passa a ser uma história edificante sobre as relações de pais e filhos.
Não é ruim – longe disso –, mas, dada a recusa da Pixar em seguir caminhos óbvios, é quase chocante ver como algumas das cabeças mais criativas de Hollywood cederam a uma trama convencional e de apelo fácil junto ao público. Se uma coisa marcou a trajetória da Pixar até aqui – até Carros 2, vai – foi a convicção absoluta de seus realizadores. Muito se especulou se isso não seria uma imposição da Disney, que é dona do estúdio desde 2006. Não há como afirmar isso com certeza, mas que é estranho, é.
Se o filme não surpreende, tampouco ele é desprezível. O trabalho da equipe continua certeiro, em todos os aspectos. Os detalhes de ambientação e textura são um show para os olhos: repare nos cabelos de Merida e na decoração do castelo; a trama equilibra bem os diferentes registros, embora não aproveite todos os personagens a contento (o urso Mor’du não consegue ser um vilão marcante); e a trilha de Patrick Doyle é discreta e eficiente.
Mesmo que Valente (e, por extensão, Carros 2) não tenha o brilho das maiores obras da Pixar – Os Incríveis, Rataouille, Wall-E –, mesmo assim, eu me pergunto: e quantas mais chegaram a esse nível nos últimos anos? E mais: se um filme da Pixar não for uma obra-prima, isso o torna necessariamente um mau filme?
Não é Valente que vai silenciar as especulações sobre o futuro da empresa. Para mim, porém, a Pixar continua no topo.
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