O massacre em um cinema da cidadezinha de Aurora, subúrbio de Denver, nos Estados Unidos, traz à tona, mais uma vez, a superficialidade e demagogia para a discussão de assuntos mais sérios. Tudo para que o fato inconcebível se torne mais justificável e, assim sendo, possamos "entendê-lo" melhor.
Culpar o cinema de ação e os filmes 'violentos' pela tragédia que vitimou 12 pessoas é sempre tão mais fácil do que analisar processos profundos de nossa sociedade, como a violência ser a primeira e não a última solução, a facilidade ao acesso às armas, o isolamento do homem moderno, a banalização da vida do próximo, o sistema educacional sendo uma local para se atingir metas em vez de formar cidadãos, entre outros fatores.
Infelizmente, parte deste processo, é alimentado por uma parte da mídia que, pelo sensacionalismo e apelo fácil do assunto, usam argumentos vazios e tolos para comentar o fato superficialmente. Um bom exemplo ocorreu aqui em Manaus mesmo. Ao terminar de ler a informação da tragédia na sexta (20), um radialista local começou a tecer comentários sobre os filmes de ação de Hollywood que, cheio de tiros e explosões, influenciavam jovens mundo afora a cometer estes atos, segundo ele.
Nos dias seguintes, mais e mais comentários em programas televisivos e redes sociais em que o tema vinha à tona e, vez por outra, lá eram os filmes de ação escolhidos como culpados pelo massacre não somente de Aurora, mas também de Columbine, Realengo e do Shopping Morumbi.
O raciocínio de que pessoas se sintam influenciadas a saírem por aí metralhando quem aparece pela frente após assistirem um filme violento não leva em conta que tal atitude é feita por um número inexpressivo de pessoas (uma ou duas) se comparadas a todos espectadores do longa (bilhões).
Por lógica estapafúrdia parecida, pode-se considerar as novelas culpadas pelo crescimento populacional do Brasil, afinal de contas, em todo final de folhetim, o elenco feminino inteiro fica gestante. Tudo para representar a felicidade e a união da família. Ou seja, pouca educação sexual, nem pensar.
Acreditar que o atirador tenha realmente se inspirado no Coringa, interpretado pelo ator Heath Ledger, é cair na lábia do sujeito. Um cidadão com os problemas psicológicos que o rapaz deve ter, somente precisa de uma desculpa para sair de si e realizar o ato que fez, pois, sendo si próprio, jamais o faria. Nada melhor, então, do que se transformar em um personagem e usá-lo como uma possível "desculpa".
Para completar, o desconhecimento perante a obra 'crucificada' é típico das pessoas que procuram a resposta fácil. "Batman" ainda tem a sorte de ser uma série extremamente conhecida e popular, principal "O Cavaleiro das Trevas", no qual justamente o Coringa é o vilão.
Porém, basta recordar o que aconteceu com "Clube da Luta" no Brasil em 1999 após o estudante de medicina Mateus da Costa Meira invadir a sala de exibição com uma metralhadora e matar três pessoas em um shopping paulista. Após a tragédia, o filme teve carreira curtíssima no mercado do país e foi lançado em home vídeo sem grande alarde. E olha que o filme era estrelado por Brad Pitt!
Até hoje, há quem abomine o longa e pense que o filme dirigido por David Fincher tenha influenciado o rapaz na decisão de cometer o crime por se tratar de uma obra que, segundo se supõe, estimule a violência. Com essa atitude de rejeição tola e equivocada, quem não parou para analisar e, ao mesmo, assistir ao longa, perdeu um clássico dos anos 90 com duros golpes à sociedade consumista e vazia da atualidade.
Evidente que o cinema é capaz de influenciar tantas pessoas mundo afora. Desde o uso dos cigarros pelos caubóis norte-americanos, passando pela rebeldia de James Dean e Marlon Brando a sensualidade de Marylin Monroe e Sharon Stone, a sétima arte mexe na vida e no estilo de milhões de pessoas.
Porém, um crime dessa magnitude faz parte de um contexto social muito maior, no qual o cinema é uma fração mínima. Respostas rápidas e tolas para perguntas complexas que uma tragédia dessas traz provoca uma incompreensão do fato maior, impedindo, dessa maneira, que novos massacres aconteçam.
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