Pode se considerar o heavy metal um gênero musical das margens. Na maior parte da sua história, que começa no fim dos anos 60, teve pouca divulgação da grande mídia. Mesmo assim, vive graças aos seus fãs, que mundo afora são estereotipados muitas vezes negativamente. O antropólogo canadense Sam Dunn mostra em documentários que o estilo é muito mais que barulho e desconstrói sensos comuns sobre os metaleiros, grupo ao qual se inclui.
O seu esforço mais claro para demolir opiniões formadas se concentra em Metal: A headbanger’s Journey (2005), o seu primeiro documentário. O diferencial do filme é que Dunn faz uma análise antropológica sobre o heavy metal e assuntos ligados a ele de uma forma leve, buscando pontos de encontro entre as diferenças no grupo. O peso fica só na trilha sonora. Para falar sobre temas como origens, religião, gênero, polêmicas e cultura ele entrevista fãs, acadêmicos, críticos e expoentes do gênero, como Bruce Dickinson (Iron Maiden), Tony Iommi (Black Sabbath) e Dee Snyder (Twisted Sister). Dunn conclui, dentre outras coisas, que o heavy metal tem raízes na Música Clássica e no Blues e que o estilo serve como uma válvula de escape para deslocados da sociedade.
O antropólogo falhou na metodologia por ter se limitado ao eixo Europa-América em “Headbanger’s”. Ele mesmo reconhece lacunas e, para tentar contorná-las, lança Global Metal (2008). O documentário mostra Dunn pelo mundo entrevistando pessoas ligadas ao metal das mais diversas nacionalidades. Ele tenta provar as hipóteses de que o estilo se adapta à realidade do lugar onde se é produzido, numa mostra positiva da Globalização, e que há pontos de convergência, por exemplo, entre um metaleiro brasileiro e um indonésio, por mais diferentes eles sejam culturalmente. Dunn teve mais facilidade de mostrar a veracidade da primeira suposição. Nela, o antropólogo se baseia mais em dados históricos e em opiniões longe de serem óbvias.
No Brasil, o início do filme, ele parte de um estereótipo: como um país conhecido pelas praias, futebol e carnaval pode ter uma das cenas mais fortes do mundo?
E o nosso país tem também um naco no terceiro e mais recente documentário do canadense, o Flight 666 (2009). Ele acompanhou o Iron Maiden na primeira parte da turnê Somewhere Back In Time, em 2008. O documentário mostra os ingleses audazmente indo onde uma banda jamais esteve, como Índia e Costa Rica. Steve Harris e companhia também vão a destinos obrigatórios, como Tóquio, Sidney e São Paulo. O desbravamento só foi possível, dentre outros fatores, porque o Iron tem um avião próprio, o Ed Force One, que é pilotado pelo vocalista, Bruce Dickinson. O corte de burocracias e custos torna possível o sonho de muitos fãs da banda que dificilmente imaginariam ela tocando na sua cidade. Com uma adaptaçãozinha aqui e acolá, o discurso de um entrevistado da Costa Rica poderia muito bem ser o de um amazonense que viu o seu sonho realizado no dia 12 de março de 2009, quando os ingleses tocaram no Sambódromo.
Sam Dunn pode até usar os seus conhecimentos sobre Claude Lévi-Strauss para auto-afirmar a sua gente, os metaleiros, já que (n)os retrata de maneira positiva. Pode se criticar também que às vezes, principalmente em Flight 666, ele fala mais para fãs. Porém, se deve reconhecer a sinceridade com que se propõe falar do tema, por mais paixão e – por que não? - proselitismo que exista na sua filmografia.
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Sam Dunn e a sua produtora, a Banger Productions, trabalham num documentário sobre os seus conterrâneos do Rush. A previsão de lançamento é para este ano.
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Por César Nogueira, que ajuda a produzir o SET UFAM e segue o heavy metal desde o dia 30 de março de 2001.
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