terça-feira, 7 de junho de 2011

Novos Clássicos - O Escafandro e a Borboleta (2007)

Por Emanuelle Canavarro



Tocante, poético e francês. Um filme capaz de arrancar lágrimas, até mesmo, dos mais insensíveis.
Dois fatores me levaram a alugar o filme. Primeiro, ele é francês – além de eu apreciar a indiscutível beleza e inteligência desse universo cinematográfico, gosto de tudo que tenha qualquer espécie de ligação com o País. Segundo, um título nunca me chamou tanto a atenção quanto "O Escafandro e a Borboleta". E o mais ignorante da minha parte, é que eu fazia apenas uma vaga ideia do que significava ‘escafandro’, mas a beleza da palavra foi o que, de fato, me levou a mergulhar nesta incrível história – de como o ser humano pode ultrapassar obstáculos e como a força de vontade e a persuasão podem levar ao alcance do aparentemente impossível.

"Le Scaphandre et le Papillon", do americano Julian Schnabel, é uma impressionante história de superação, baseada na autobiografia de Jean-Dominique Bauby – interpretado por Mathieu Amalric. Bauby estava no auge de seu pomposo reinado, como editor chefe da Elle francesa, quando sofreu um AVC e, em seguida, foi atingido subitamente pela raríssima locked-in syndrome (algo como síndrome do encarceramento). Mesmo vivendo numa condição de extrema delicadeza e dependendo dos cuidados de enfermeiros até mesmo para mexer a língua, ele realizou a proeza de escrever um livro somente se comunicando com o piscar de um dos olhos – a única parte da qual lhe restou alguma espécie de mobilidade. Seu corpo é representado pelo Escafandro, e sua mente, nada mais é que a borboleta.

Durante pouco mais de meia hora, o espectador é forçado a ver o mundo como Bauby, por meio de seu olho esquerdo, numa experiência que chega a ser, um tanto quanto, angustiante. Você quer ver outra imagem, necessita de um novo ângulo e mais nitidez, mas tem de contentar-se com a visão limitada de Jean-Do. O jogo de câmeras deixa tudo incrivelmente real. Quando ele chora, a câmera fica embaçada. Ela segue todo e qualquer ponto de vista do personagem. A cena em que costuram um de seus olhos, com certeza, é a mais marcante. Sabe onde está a câmera, neste momento? Imagine só, dentro do olho dele!

"Decidi parar de ter pena de mim mesmo. Além do meu olho, há duas coisas que não estão paralisadas: minha imaginação e minha memória." (Jean-Dominique Bauby)

Bauby poderia fugir desse paradigma, se não fosse pela opção que fez pela vida. Apesar de todas as suas angústias, ele mesmo, pensa, no princípio, que morrer seria a melhor solução. Mas optou pelo poder do pensamento e decidiu viver, afinal tudo é psicológico. Piscando letras do alfabeto, aos poucos ele conseguiu formar palavras, frases e parágrafos. Criou um mundo próprio, contando com aquilo que não se paralisou: sua imaginação e sua memória. Os pensamentos de Bauby são partilhados com o público e revelam um sujeito bem-humorado, dono de um raciocínio mordaz e, ao mesmo tempo, debochado e de uma tenacidade que se recusa a ceder diante da autopiedade. Impossível não se apaixonar pela sua irônica e sarcástica inteligência.

Seguindo uma marca registrada do cinema francês, "O Escafandro e a Borboleta" explora os detalhes, com um minimalismo refinado. Brincando com o sentidos do espectador, o filme nos permite sentir o vento da praia com os cabelos esvoaçantes, a agonia de estar trancafiado num corpo inerte, o desespero do querer sem poder, o olhar aflito de Jean-Do. 

Os melhores momentos, definitivamente, acontecem quando estamos dentro da mente dele, e no seu relacionamento com médicos e fonoaudiólogas. Essas cenas são muito superiores às que ele passa com a família, nos flashbacks ou na atualidade. Mas como nada é perfeito, tudo é muito fácil para o nosso adorável jornalista. Assim que Bauby desperta do coma, os médicos lhe explicam que ele está completamente paralisado, e já lhe ensinam uma nova forma de se expressar. Fico feliz que ele tenha tido uma vasta equipe trabalhando para a sua recuperação, mas não pude parar de pensar que, se ele fosse pobre, o quadro seria absolutamente diferente.

Esse é o terceiro filme do diretor, que parece ter uma fascinação por histórias de pessoas reais. "Basquiat", do filme homônimo, foi um pintor marginalizado, enquanto o controverso "Antes do Anoitecer", estrelado por Javier Barden, conta a história do escritor cubano Reinaldo Arenas, homossexual assumido e perseguido na Cuba de Fidel.

Schnabel, que já foi artista plástico, usa seu senso visual para criar imagens que muitas vezes rompem a fronteira entre o real e o onírico. Contando com a fotografia do experiente Janusz Kaminski (de Munique), o diretor é capaz de transformar imagens em experiências sensoriais. Por isso, cores e texturas dão o brilho ideal, assim como a trilha sonora, que conta com U2, Tom Waits e Lou Reed. Aliás, um detalhe importante: durante o filme, são vários os momentos de completa ausência de música – que, por vezes, são alternados com um repertório clássico – como a maravilhosa La Mer, de Charles Trenet.

Bauby faleceu em 9 de Março de 1997, mas deixou seu testemunho do que é ter um intelecto vivo dentro de um corpo morto. Como metáfora para nossa existência, "O Escafandro e a Borboleta" mostra-nos que não devemos nos desesperar com o fato de que nossa vida caminha rumo ao nada. Não importa o que aconteça, simplesmente não se desespere.

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