quinta-feira, 23 de agosto de 2012

Crítica: "360", de Fernando Meirelles

Por Diego Bauer


Quantos diretores podem dizer que fizeram um filme genial, uma obra-prima? Quantos podem dizer que fizeram um filme que vai ficar marcado, aconteça o que acontecer, na história do seu país, e quem sabe até na história do cinema?

Fernando Meirelles pode. E essa certamente é a sua maior dádiva, ao mesmo tempo que é sua maior ruína, pois ter feito Cidade de Deus (2002) logo no início da sua filmografia é algo que pode ter atrapalhado, e muito, a sequência da carreira do diretor.

É evidente que Meirelles é um bom cineasta. E também que O Jardineiro Fiel (2005) e Ensaio Sobre A Cegueira (2008) são dois bons filmes, com altos e baixos é verdade, mas que possuem momentos realmente brilhantes. O “problema” é que Cidade de Deus é (bem) melhor, e isso sempre acaba eclipsando os novos trabalhos do diretor, que infelizmente parece não ter competência para fazer um novo filme que termine com essas comparações de uma vez por todas.

360 é mais um exemplo disso.

Escrito por Peter Morgan (A Rainha; Frost/Nixon), o filme conta a história de várias pessoas, em diferentes cidades pelo mundo. Conhecemos Mirka (Lucia Siposová), uma mulher que começa a se aventurar na vida de garota de programa, e que logo de cara tem como cliente Michael (Jude Law), um executivo que, mesmo parecendo amar sua esposa, Rose (Rachel Weisz), aparenta estar infeliz. Ao mesmo tempo, ela o trai com Rui (Juliano Cazarré) há um certo tempo, mas parece querer terminar o caso, que acaba sendo descoberto por Laura (Maria Flor), namorada de Rui, que ao descobrir que estava sendo traída, decide voltar ao Brasil. No caminho de volta, ela encontra um homem solitário (Anthony Hopkins) que teve a filha desaparecida há alguns anos, e que estava viajando para reconhecer o corpo de uma jovem que poderia ser a sua filha. No aeroporto, Laura encontra Tyler (Ben Foster), um homem recém-saído da prisão, que busca se reabilitar de uma psicopatia sexual. Ainda conhecemos um dentista (Jamel Debbouze) que é apaixonado por sua secretária (Dinara Drukarova), mas se sente culpado por isso pelo fato de ela ser casada com Sergei (Vladimir Vdovichenkov), um homem que trabalha para um mafioso, que em determinado dia decide contratar os serviços de Mirka.

Ao contrário do que acontece em filmes como Magnólia (1999) e Crash – No Limite (2004), em que diferentes histórias se cruzam de maneira orgânica, em 360 a impressão que fica é a de que a inter-relação desses casos acontece de forma sutil até demais, parecendo que estamos vendo uma série de histórias independentes, que pouco interferem no rumo uma da outra. As exceções disso são os cruzamentos de Laura com os personagens de Anthony Hopkins e Ben Foster, e também o de Mirka com Sergei.

Além disso, o filme pretende fazer uma espécie de relação com o acaso, insinuando que ele é parte importante da história. Mas essa relação é mal desenvolvida, acaba ficando pela metade do caminho, e é quase totalmente esquecida do meio para o final do filme.

Mas, sem dúvida, o principal problema é o desnível existente entre as histórias, e a ordem em que elas são estabelecidas. A relação entre o dentista e Valentina é bem desinteressante, chata mesmo; Rose quase não tem função no filme, sua trama com Rui é fraca e mal desenvolvida, e Weisz mais parece uma coadjuvante de luxo, que quase não aparece no filme; e logo no início, quando começamos a nos interessar pelo que vai acontecer com Michael, a história é cortada, e volta muito tempo depois, fazendo com que quase nos esqueçamos do personagem.

Outro problema é uma queda grave de ritmo que começa depois do depoimento de Hopkins, e vai quase até o final do filme, em que uma série de tramas e momentos desinteresses (alguns bem chatos) tomam a tela, levando o filme para lugar nenhum, brecando o desenrolar de núcleos que funcionavam e faziam a história fluir.

Mas o filme não é um desastre, pois tem momentos muito bons. O responsável pela melhor trama do filme, e pelos momentos em que o longa mais cresce, é Ben Foster. É nítido um trabalho de ator que mergulha na alma da personagem, e que busca detalhadamente encontrar todas as motivações psicológicas e físicas daquele homem, em que cada olhar, cada toque, cada movimento de corpo significa muita coisa.

Também é digno de elogios o trabalho de Anthony Hopkins, que traz muita dignidade ao seu personagem, e faz com que compreendamos todo o seu sentimento de forma sutil e verdadeira, na melhor cena do filme, em que ele dá um depoimento sobre como o seu encontro com Laura mudou a sua forma de pensar.

E já que ela foi citada, é bom ressaltar o bom trabalho de Maria Flor, que mesmo sendo estreante em longas internacionais, desenvolve de forma madura uma personagem importante para o filme. Também não se pode deixar de citar Lucia Siposová, que faz de Mirka uma personagem que cresce bastante na história, sempre com conflitos bem interessantes e densos, desenvolvendo talvez a trama mais surpreendente do filme.

E já que se trata de um filme de Fernando Meirelles, tenho que dizer que, por mais contraditório que isso possa parecer, é nítido que o diretor amadureceu bastante desde os tempos de Cidade de Deus. Um exemplo claro disso é o início de 360, que é realmente muito bom. Percebe-se ali um diretor maduro, com pleno conhecimento da técnica cinematográfica, que sabe que, em filmes como esses, menos é mais. 

Se compararmos o momento atual do diretor em relação ao que era nos tempos de Cidade de Deus, que boa parte é filmado com câmera na mão, em um ritmo mais acelerado, com transições estilosas numa linguagem mais pop, fica claro que o diretor se tornou mais “responsável”, deixando os seus filmes mais “limpos”, optando por uma direção mais sóbria. Isso quer dizer que ele é melhor diretor do que era?

Sim e não. A tal da “irresponsabilidade” pode ser considerada como um dos principais motivos de Cidade de Deus ser o que é, e ao mesmo tempo, dizer que Meirelles não evoluiu como diretor é injusto e inadequado, pois seus filmes subsequentes demonstram isso, embora não apresentem uma unidade satisfatória.

Mas o que importa é que ao término do filme, bate a sensação de que realmente seria muito bom se 360 fosse um grande filme.

Infelizmente não é.

NOTA: 6,5

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