- O que você gosta de fazer? Gosta de cinema?
- Ah, sim, acompanho bastante!
- Sério? Poxa, não sabia.
- É, gosto muito de ir ao cinema. Adoro comédias românticas.
Ver uma conversa dessas hoje em dia é bastante comum, e pra quem costuma ter o cinema como uma atividade que vai além do simples entretenimento, um diálogo desses faria com que automaticamente formássemos uma série de opiniões sobre a segunda pessoa, que diz adorar comédias românticas.
Claro que com a enxurrada desses filmes descartáveis (ou ruins mesmo) que foram lançados nos últimos dez anos, é natural que tal pessoa perca muita credibilidade quando for falar sobre cinema, pois de uns tempos pra cá, acabou se formando um “senso comum cult” que praticamente abomina as comédias românticas.
O que é uma pena, pois o gênero é muito interessante, haja vista o genial trabalho de Woody Allen, que com clássicos como Noivo Neurótico, Noiva Nervosa (1977), Manhattan (1979), Todos Dizem Eu Te Amo (1996), Vicky Cristina Barcelona (2008) e Meia-Noite em Paris (2011) (apenas para citar alguns filmes) mostrou como é possível fazer um trabalho de extrema qualidade, e que a pieguice é algo que, definitivamente, não precisa fazer parte do processo.
E foi com um sentimento de satisfação que eu deixei a sala de cinema após assistir A Delicadeza do Amor, pois saí com a nítida impressão que, após tanto tempo, finalmente acabara de ver uma comédia romântica de qualidade.
Dirigido pelos estreantes em longa metragens, David e Stéphane Foenkinos, o filme conta a história de Nathalie (Audrey Tautou), uma mulher que vive um feliz casamento com François (Pio Marmai). Ambos estão apaixonados e parecem que foram feitos uma para o outro. Porém, depois de algum tempo casados, François sofre um acidente e morre. Nathalie fica de luto pela morte do marido, e não consegue se relacionar com outros homens durante bastante tempo. Até que num dia ela conhece Markus (François Damiens) e tasca-lhe um beijo, sem nenhum motivo. Depois disso acompanhamos a curiosa relação dos dois, que sofre com o preconceito das pessoas próximas, pelo fato de Markus ser considerado pobre, feio e inadequado para a bela Nathalie.
Logo de cara, o filme se mostra bastante competente ao mostrar com maturidade, sem nenhum tipo de afetação, todo o momento que envolve a dor sofrida por Nathalie pela morte de seu marido. O não saber o que fazer, o sentimento de dúvida, misturado com saudade e ódio é mostrado de forma sóbria e adulta, como na cena em que ela pega o celular, e fica em dúvida se apaga ou não o nome de François. Ou também quando, em conversa com uma amiga, pede para que as pessoas passem a agir normalmente com ela.
Demonstrando essa consciência com a parte dramática da história, o filme ganha, e muito, ao não ter receio em se aprofundar nesses momentos sérios, algo que algumas comédias procuram se esquivar, apenas pelo fato de serem comédias, e que por isso devam apenas fazer as pessoas rirem. Aqui esses momentos são desenvolvidos da maneira certa, e possuem função importante para o desenvolvimento das personagens.
Mas o ponto mais forte do filme é sem dúvida a interessante relação, e a surpreendente química, que acontece entre Nathalie e Markus. Aparentando sempre um ar de ingenuidade e inocência, é muito fácil criar uma simpatia quase que imediata por Markus. Sendo o responsável por praticamente todos os momentos cômicos do filme, o grandalhão desengonçado de Damiens mais parece um adolescente apaixonado, o que faz com que a relação dos dois se torne bonitinha demais de se ver, no melhor sentido que essa frase possa parecer. Como na cena em que ele diz que quer se proteger dela, ou quando, logo após o beijo, ele passa a imaginar o que ela está fazendo.
Bom também é o trabalho de Tautou, que traz charme, delicadeza, mas ao mesmo tempo uma personalidade forte a sua personagem, que consegue tornar plausíveis as contradições que Nathalie está vivendo.
E se o filme se mostra eficiente nos momentos cômicos, também é eficaz ao abordar a maneira como as pessoas reagiam à relação dos dois. Sem tentar ser bonitinho, ou tentando fazer com que tenhamos pena de Markus, o longa aborda de forma interessante o preconceito das pessoas ao verem um casal que julgam ser “estranho”, apenas por ter uma moça rica e bela com uma rapaz pobre e feio. Ao abordar o fato de maneira equilibrada, o filme consegue fazer a audiência se questionar sem precisar de mensagens bonitinhas ou trilha sonora emotiva.
O belo final (algo cada vez mais raro em filmes do gênero) coroa um trabalho sensível, que ao mesmo tempo diverte e emociona.
Se tivesse que definir o filme em uma frase, diria: Isso sim é que é comédia romântica de verdade.
Nenhum comentário:
Postar um comentário