Nas entrevistas com a imprensa brasileira para a divulgação de O Vingador do Futuro, Colin Farrell pareceu sempre um pouco reticente, alheio – mais interessado em discutir a influência das favelas cariocas sobre a concepção visual do filme do que em promover suas virtudes.
A postura do ator é significativa: há pouco o que se promover aqui. O Vingador do Futuro é apenas um grande amontoado de perseguições, tiros, frases de efeito – e só. Pouco lembra o filme de Paul Verhoeven (de 1990) em que foi baseado, mesmo sendo os mesmos personagens e quase a mesma história. O conto de Philip K. Dick que inspirou a trama, então – esse deve estar em algum lugar da Zona Sem Zonas do filme.
A premissa, vá lá, é bacana: após décadas de desastrosas guerras químicas, a Terra é um planeta devastado, resumido a uma Federação Britânica (a Europa), onde moram os ricos e privilegiados, e uma Colônia (a Austrália), onde se amontoa o resto da humanidade. Douglas Quaid (Farrell) é um operário da Colônia que começa a se questionar sobre a inutilidade da sua rotina. Angustiado, ele procura a Rekall, uma empresa que vende memórias artificiais, onde a pessoa pode ser tudo o que ela deseja. O problema acontece quando Douglas pede para ser um agente secreto e descobre que ele já foi um agente de verdade – e alguém em quem o governo da Federação quer pôr as mãos a todo custo.
No filme de Verhoeven, essa proposta rendeu um cult da ficção científica, um filme de visual extravagante e cheio de humor, e que de quebra trazia reflexões pertinentes sobre a sua época – o tema da confusão entre o virtual e o real, por exemplo, antecipa em nove anos a série Matrix. Mas, no trabalho do diretor Len Wiseman (série Anjos da Noite, Duro de Matar 4), tudo isso se perdeu.
O novo Vingador deixa de lado as sutilezas (e olha que o filme de Verhoeven era acelerado e sangrento) e parte para a ação pura e simples. Nenhum personagem, em nenhum momento da história, é desenvolvido a ponto de gerar alguma empatia; nenhum sentimento genuíno surge do frenesi e da correria das cenas; e nenhuma ideia, no decorrer da trama, é original ou minimamente marcante.
Na verdade, esse Vingador é apenas uma colcha de retalhos de outros filmes de ficção científica: lá está a cidade sinistra de Blade Runner, os soldados de Star Wars; os carros e andróides de Eu, Robô; e a mulher de três peitos do Vingador original.
Colin Farrell sustenta o trabalho com seu carisma infalível (e carisma é tudo o que ele pode oferecer aqui), e Bryan Cranston (do seriado Breaking Bad) convence como o vilão Cohaagen, apesar de algumas falas ridículas. Mas Kate Beckinsale, que é esposa de Wiseman, apenas reprisa as caras e bocas de sua personagem em Anjos da Noite, e Jessica Biel, bem, continua sendo Jessica Biel. Mas o maior problema é mesmo o roteiro, a cargo de Kurt Wimmer e Mark Bomback.
É uma sucessão de diálogos crassos e situações absurdas. Quando Colin ri, na cena em que seu personagem senta e toca piano, em meio à matança e às perseguições, seu espanto está mais no nonsense da cena do que na descoberta feita por Douglas. E por que cargas d’água Melina (Biel), que até então havia sido cautelosa em cada passo seu dado no filme, resolve se arriscar só para dar um tiro em Lori (Beckinsale) por esta ter mexido nos brios de sua relação com Douglas?
Tá bom, talvez eu esteja pegando pesado com um filme que se propõe apenas a ser um thriller eficiente e divertido. Mas, para mim, diante de filmes como os já citados Matrix, Blade Runner e do próprio Vingador original, sem falar de um exemplo presente e gritante como Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge, que são filmes de ação eletrizantes ao mesmo tempo em que trazem ideias originais e questões intrigantes, estacionar nesse saldo, e ainda com a premissa lá de cima, é uma grande decepção.
Cabe dizer, apesar de tudo, que O Vingador do Futuro é, sim, um filme de ação bastante divertido e que tem efeitos visuais espetaculares, como o provam as cenas da cidade e a perseguição nos elevadores. Mas eu insisto: poderia ser muito mais.
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