terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Crítica: Amor, de Michael Haneke

Por Susy Freitas


Assistir um filme de Michael Haneke é certeza de pelo menos uma coisa: desconforto. O trunfo do diretor é ele usar esse sentimento para prender o público emocionalmente a cada um de seus filmes, ao invés de afastá-lo.

Com “Amor”, seu mais recente filme, Haneke traz a tona o desconforto perante a única certeza da vida, a morte, através da história de Georges (Jean-Louis Trintignant) e Anne (Emmanuelle Riva). Apesar de estar na casa dos oitenta anos, o casal de músicos vive uma relação de amor e carinho, passando os dias em uma rotina estável, até o dia em que Anne sofre um derrame. Como resultado, a senhora perde os movimentos e a lucidez, o que a põe num estado de fragilidade muito contrastante com sua personalidade anterior. Georges, por sua vez, insiste em cuidar da esposa, e é com a via crucis dele que Haneke conduz o espectador, através de prenúncios escondidos em várias das falas das personagens, ao começo do fim. Este, aliás, é marcado claramente na trama, com um longo e negro intervalo entre um corte e outro logo no começo do filme.

Nas mãos de outro diretor, “Amor” bem que poderia ser um dramalhão para arrancar lágrimas fáceis. É nesse ponto que é necessário alertar ao espectador que ele está longe de um produto fílmico convencional e, dessa forma, evitar frustrações. “Amor” é um filme, por assim dizer, violento; porém, essa violência é metafórica e se encontra na forma crua como o diretor retrata a perda das esperanças de Georges, a debilidade da outrora altiva Anne e a teimosia de Eva (Isabelle Huppert), a filha do casal, em aceitar que não há nada que possa ser feito.

Não há excessos em nenhuma das situações que constroem a trama de “Amor”, o que já era de se esperar dado o estilo de seu diretor. No lugar do dramalhão desmedido, Haneke dá espaço para o realismo, expresso principalmente no uso comedido da trilha sonora e do excelente trabalho do elenco. Emmanuelle Riva, não por acaso, foi indicada ao Oscar de Melhor Atriz pelo filme, o que a torna a atriz mais velha a ter concorrido à estatueta até hoje. Poucas atrizes conseguiriam tornar coesa uma personagem que alterna dentre extremos de doçura, amargura, força e fragilidade. Trintignant também não faz por menos como o marido nada perfeito, porém fiel às promessas que fez para a esposa até o fim.

Ditas as qualidades, outros alertas são necessários ao espectador não cinéfilo, aquele que provavelmente está curioso para ver “um dos filmes do Oscar”. São três os principais pontos principais que mais podem causar estranheza a esse público: os planos excessivamente longos, os cortes secos entre momentos distantes cronologicamente dentro da trama e a quase ausência de música como trilha sonora. Vencer a estranheza que esses elementos causam é uma tarefa um tanto árdua para aqueles acostumados com a profusão de cortes e movimentos de câmera dos populares filmes norte-americanos, e nem todos têm tanta força de vontade.

A música, que muito bem poderia embalar os momentos mais tocantes do filme, surge sempre como um invasor. Como tal, ela é “expulsa” do espaço do apartamento em que se passa todo o filme, seja através de um corte entre as cenas, seja através de atos dos próprios personagens. Um exemplo disso é quando 
Georges admira a esposa tocando de maneira habilidosa ao piano, mas após alguns segundos ele desliga um aparelho de som e o público se dá conta de que aquilo era apenas uma lembrança ativada pela música que ele ouvia. Em outro momento, é Anne que se recusa a ouvir o CD de um de seus ex-alunos tocando piano. A música, então, torna-se um ser estranho dentro da cada vez mais claustrofóbica situação em que o casal vive e, por sua vez, distancia-se também dos ouvidos do espectador.

Aos curiosos em enfrentar o desafio da atmosfera nada hollywoodiana do filme, as chances de gostar de “Amor” são grandes; aos não tão pacientes assim, a dica é passar longe do filme, arriscando-se a perder um dos filmes mais comoventes de 2012.

NOTA:8.5

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