segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Crítica: As Aventuras de Pi, de Ang Lee

Por Diego Bauer


Ang Lee já havia provado para o mundo que é um dos cineastas mais versáteis e interessantes do cinema atual, apresentando filmes completamente diferentes uns dos outros, mas todos com grandes qualidades, como Razão e Sensibilidade (1995), O Tigre e o Dragão (2000), Hulk (2003), O Segredo de Brokeback Mountain (2005) e Desejo e Perigo (2007).

As Aventuras de Pi vai entrar como mais um exemplo da capacidade do diretor, que além de ratificar o seu grande talento como condutor de histórias dos mais variados estilos, também vai ficar marcado por contribuir para a evolução da arte com o melhor uso do 3D que o cinema já viu.

O filme conta a história de Piscine Patel, o Pi (Suraj Sharma na juventude e Irrfan Khan na fase adulta), um garoto indiano que foi nascido e criado em um zoológico. Morando com seus pais e seu irmão, durante a sua infância e adolescência, ele desenvolveu um gosto por religiões, chegando a ter três ao mesmo tempo. 

Com o passar dos anos, uma crise financeira atinge a sua família, e com isso eles e os seus animais têm que se mudar para o Canadá, e embarcam em um navio. Certo dia uma forte tempestade chega e naufraga a embarcação, e Pi consegue escapar chegando a um bote. Porém, neste mesmo barco está um tigre de bengala, e graças a isso, além de lutar por sua sobrevivência ele vai ter que encontrar uma maneira de coexistir com o animal.

As Aventuras de Pi é um filme focado na sensibilidade do seu diretor, que consegue colocar na tela em seu máximo os vários matizes do riquíssimo roteiro de David Magee, baseado no livro de Yann Martel, e confesso que não me sinto capaz de fazer a análise que o filme merece sem entrar em detalhes da obra, portanto peço que só continuem a leitura se tiverem visto filme.

O longa já começa muito bem ao narrar a infância de Pi, conseguindo contar uma deliciosa história que passa por momentos como a escolha do nome do personagem, a sua vida no colégio, sua relação com as religiões, sua primeira namorada, e o seu primeiro encontro com Richard Parker, e a lição que este momento traz para ele. Com isso Pi é devidamente apresentado para o público, fazendo com que o prólogo se torne mais do que uma simples preparação para o seu próximo ato.

Mas é obviamente em toda a sequência que se passa no mar que o filme se torna grandioso. E chega a esse resultado por saber aproveitar e desenvolver as coisas pequenas, a relação entre os personagens, e de que maneira isso interfere no rumo da história, especialmente entre Pi e Richard Parker.

O filme é extremamente feliz ao mostrar como as circunstâncias transformam completamente os personagens. Pi muda no decorrer da história, se torna mais corajoso, sábio e pode por à prova as suas crenças, ao mesmo tempo que Richard Parker também se torna menos arredio e agressivo com Pi, demonstrando uma espécie de gratidão pelo outro o ter salvo, quando poderia tê-lo deixado à morte no mar. O que faz com que ambos cheguem a conclusão de que, para conseguirem sobreviver àquilo, precisam um do outro. E essa constatação ganha contornos ainda mais belos pela maneira como a trama é desenvolvida por Lee, construindo isso aos poucos, dando o devido tempo às coisas, e com notável sensibilidade.

E a interpretação verdadeira de Suraj Sharma, que carrega o filme de maneira admirável, é excelente ao trazer uma fragilidade que se transforma no decorrer da história, já que Pi se torna mais “cascudo” com o tempo, mesmo que mais fraco fisicamente, mas ainda assim sem perder a esperança de ser salvo. E a atuação dele ganha tons grandiosos, nos momentos, por exemplo, em que surge um navio e este não os salva, ou quando no ápice do desespero, ele diz para o tigre que vão morrer.

Só por isso o filme já seria um êxito enorme, mas ele consegue ir a um nível ainda mais alto ao desconstruir toda a história que vimos até ali, contando uma outra no final, que por motivos óbvios e lógicos, como o pai de Pi falaria, mais se parece com a real. É evidente que não fica claro qual é a história factível, mas as evidências apontam que o que vimos foi uma criação de Pi, e que a verdadeira história seja a que ele conta aos japoneses no hospital, em um monólogo lindíssimo.

Tanto é que o Pi mais velho pergunta qual a história que você mais gosta. Eu prefiro a com o tigre, assim como o escritor do livro, embora ache que prefiro ela pela outra ter dado um significado maior à fantasia.

E Ang Lee merece todos os prêmios por este filme, visto que ele é o maior responsável pela sua grandeza. 

Um diretor completo, que conduz as cenas de ação e efeitos especiais com a mesma qualidade com que desenvolve momentos de pura emoção, como por exemplo a cena em que Pi conta de maneira emocionada que ficou chateado com Richard Parker por este ter ido embora sem se despedir (a minha cena favorita do filme). A versatilidade de Ang Lee deveria inspirar todas as pessoas que pensam em fazer cinema, pois a sua obra é digna de aplausos entusiasmados.

Já falei tanto sobre o filme, e ainda não citei o seu apuro técnico que é sensacional. Sem medo de errar, As Aventuras de Pi é um dos filmes mais belos visualmente da história do cinema. É um dos poucos filmes que você pode falar que tem que ser visto no cinema em 3D quase que obrigatoriamente. A ferramenta é utilizada de maneira excepcional no filme, contribuindo para os enquadramentos, auxiliando brilhantemente na profundidade de campo, indo além do que fez Martin Scorsese em A Invenção de Hugo Cabret (2011). Um verdadeiro espetáculo visual proporcionado pelo diretor de fotografia Claudio Miranda, que cria planos inspirados, que comunicam muito sem a necessidade de palavras, além de saber utilizar as cores da maneira correta.

Além disso, merecem destaques a cena do naufrágio que é extremamente verdadeira e impactante, nos remetendo a memorável cena da queda do avião em Náufrago (2000), e a criação virtual de Richard Parker que é toda feita por computadores, e que impressiona por sua veracidade.

Ao terminar este texto me sinto infeliz por não me achar com bagagem suficiente, seja de vida, como espectador ou alguém que escreve sobre cinema, para colocar em um texto tudo o que este filme é na tela. Mas o que posso dizer é que quando penso em cinema, penso em trabalhos com este. Uma verdadeira aula sobre o poder da arte.

NOTA: 9,0

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