Um dos maiores desafios dos artistas é saber fazer cortes em
suas próprias obras. Como deixar de fora aquele trecho tão querido ou difícil
de ser feito? Aquele momento que, pelo menos para o autor pode ser essencial,
mas, deixa a trama mais lenta e se retirada não chegará a fazer tanta falta?
Para Peter Jackson, fã confesso dos livros escritos por
J.R.R Tolkien, as adaptações de “O Senhor dos Anéis” e “O Hobbit” devem ser, ao
mesmo tempo, um prazer e um sacrifício. A parte boa se refere a filmar e
participar daquele mundo, enquanto a ruim está nos cortes a serem feitos para
tornar a história melhor desenvolvida nas telas. Há uma década, o cineasta
conseguiu aliar os dois lados com perfeição e transformou a história de Frodo
em um clássico absoluto do cinema.
Desta vez, porém, o caldo entornou e o que prometia ser a
volta do universo mágico virou uma obra enfadonha e sem ritmo, apresentando
vícios do cineasta (diga-se de passagem, presentes já em outras obras dele) que
atrapalham na condução da história. Para piorar, lança uma questão incômoda: a
saga terá história suficiente para sustentar mais dois filmes cada um com três
horas de duração?
A trama gira em torno do tio de Frodo (Elijah Wood), Bilbo
Bolseiro (o correto Martin Freeman), o qual deixa o Condado para se aventurar
junto com Gandalf (Ian McKellen, desta vez menos vibrante) em uma missão para ajudar
os anões liderados por Thorin Escudo-de-Carvalho (Lee
Pace) a recuperar o Reino de Erebor, tomada pelo dragão Smaug. Paralelo a isso,
vemos, em pequenos momentos, os contextos que formaram o cenário para o desenvolvimento
de “O Senhor dos Anéis”.
"Uma Jornada
Inesperada” possui uma estrutura bem semelhante a “Sociedade do Anel”:
prólogo+Condado+cenas de ação+Valfenda com desenvolvimento do ambiente onde a
trama se passa+sequência final. Falta um ou outro elemento, é verdade, mas a
base é bem semelhante. As diferenças principais são três: o longa de 2001
possui mais história, com personagens mais bem desenvolvidas que este, não
havia espaço para “gordurinhas” na trama e Peter Jackson não apresentava tantos
vícios na mise-en-scene.
Neste primeiro “O Hobbit”, Jackson
estica mais do que o bom senso pediria trechos que nada acrescentam à trama. A
parte do Condado, por exemplo, traz duas (!) músicas dos anões que pouco
benefício trazem à trama. Outro exemplo é a sequência dos trolls, tola e sem
efeito nenhuma no desenvolvimento da história. Ambas, porém, estão lá por um
único motivo: estavam no livro que deu origem ao filme e Jackson não teve
coragem de cortá-las.
Mesmo com 160 minutos de filme, o
roteiro não consegue criar situações em que possamos estabelecer
características mínimas de cada personagem. Explico: em “A Sociedade do Anel”,
pouco depois de conhecer quem ajudaria Frodo na missão de destruir o Um Anel,
já era possível identificar certos elementos dos protagonistas (Boromir, por
exemplo, era um sujeito complexo, pois se percebia que queria ajudar o hobbit,
porém, também precisava do Anel para defender sua nação).
Aqui, em “Uma Jornada Inesperada”, Jackson
apela para as características físicas dos anões para se ter algum tipo de
personalidade dos sujeitos: os com penteados esquisitos são os engraçados, o da
barba longa é o experiente, enquanto os dois sempre animados são os jovens guerreiros,
mesmo que atrapalhados e por aí vai.
Para piorar, nem mesmo Bilbo consegue ser tão marcante, pois o roteiro pouco vezes oferece oportunidades para desenvolver melhor suas virtudes, sendo irritante, em determinado momento, aquela vontade dele querer voltar para casa. Ora, já sabemos que isso não vai acontecer, então, para que ficar insistindo nisso?
Quando consegue acertar com um dos
personagens novos, Thorin Escudo-de-Carvalho (Richard Armitage), o cineasta neozelandês
consegue estragar tudo com seus vícios de filmagem: para transformar o sujeito
em um herói, vez ou outra, o líder dos anões é mostrado sempre de baixo para
cima, ou então, olhando para o horizonte quando alguém conta a trágica história
dele. Tudo isso ressaltado, é claro, pela trilha sonora de Howard Shore,
presente a todo instante na trama.
(Importante
citar o triste fato do compositor praticamente não ter criado algo desta vez memorável
para a trilha de “Uma Jornada Inesperada”, se contentando somente em recriar as
antigas versões).
Com uma trama central tão problemática
e pouco empolgante, não era de se estranhar que “O Hobbit” só melhore quando
coloca elementos de “O Senhor dos Anéis” na trama. Desde as pequenas aparições
de Frodo, Galadriel (Cate Blanchett) e Saruman (Christopher Lee) passando por detalhes
como a espada que brilha com a presença dos Orcs a compreensão clara da rixa
entre anões e elfos, o filme enriquece ainda mais o universo da saga anterior. Isso
para não falar do duelo de adivinhação entre Bilbo e Gollum (o brilhante Andy
Serkis), um momento que vale pelo filme inteiro.
Outro
ponto favorável ao longa é o inegável cuidado técnico. Lá, estão
novamente a direção de arte impecável, capaz, por exemplo, de transformar o
Condado em um local real, o design
gráfico belíssimo de Valfenda e das minas onde os orcs trabalham, a maquiagem carregada
dos anões e do mago Radagast e os efeitos especiais incríveis que transformam
as cenas de ação em espetáculos visuais (a briga entre os vales é quase uma
pintura).
A impressão que fica ao final do filme
é que “O Hobbit”, aparentemente, não tem tanta história que justifique três
horas e, muito menos, uma trilogia. Pode ser que esteja enganado, e,
honestamente, torço que sim. Porém, para virar o jogo, Peter Jackson vai
precisar deixar o fanatismo por Tolkien de lado e se concentrar em contar a sua
história, fazendo os cortes que forem necessários.
Dói, mas é necessário.
NOTA:6.0
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