segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

Crítica – “A Origem dos Guardiões”, de Peter Ramsey

Por Renildo Rodrigues

Hoje em dia, fazer o simples é a coisa mais difícil.

Histórias com começo, meio e fim, sem grandes pretensões, sem inovações significativas, apenas com a singela intenção de divertir o espectador por duas horas, fazendo-o esquecer do mundo lá fora.

Isso parece ser um problema. Afinal, as comédias precisam apelar para o nonsense bobo ou a escatologia; os filmes de ação, para tramas complicadíssimas, em que mal se recorda o nome do herói ou do vilão; e o terror, para formatos cada vez mais extravagantes. A sanha de “inovar”, de fugir do comum, vem contaminando o cinema faz tempo, e, dado o oportunismo ou a falta de talento de muitos dos envolvidos, os resultados não têm sido nada bons.

 
Toda essa ladainha serviu para introduzir a questão por trás de A Origem dos Guardiões, nova animação dos estúdios DreamWorks, comandada por Peter Ramsey: afinal, seguir um caminho já conhecido (óbvio, diriam alguns) é necessariamente uma coisa ruim?

 
Porque A Origem... é uma história clássica em seus moldes, quase um arquétipo: herói em busca de uma identidade (Jack Frost, dublado no original por Chris Pine, de Star Trek) se vê atraído a uma missão contra a sua vontade, com parceiros que não quer, mas de quem acaba gostando, se empolga, comete um erro, pensa ter posto tudo a perder e... você sabe o resto. O “quase” lá em cima se deve aos poucos elementos que subvertem essa fórmula: os companheiros de Jack são nada mais, nada menos do que as estrelas da imaginação infantil: Papai Noel, Coelho da Páscoa, Fada do Dente e Sandman (conhecido aqui como João Pestana), e o vilão é nosso querido (e temido) Bicho Papão – ou Breu, para os íntimos. Mais: eles não são apenas bichinhos fofinhos, mas super-heróis, versados no manejo de armas e veículos, e dispostos a tudo para conservar o sonho e a fantasia na cabeça das crianças – Papai Noel (Alec Baldwin), por exemplo, é um exímio espadachim, e o Coelhão (dublado, com muita propriedade, por Hugh Jackman) dispara bumerangues sobre os oponentes.

 
Adaptada de uma série de livros de William Joyce, a trama é a mais simples possível: cansado de ser ver relegado a um papel marginal, assombrando as crianças uma vez ou outra, Breu (Jude Law) consegue invadir os domínios dos heróis, tomando seu lugar no pensamento dos infantes. Jack, uma entidade que controla a neve e os ventos e adora promover a algazarra entre a molecada, é convocado pelo Homem da Lua (personagem que é uma alegoria de Deus, observando os acontecimentos e alterando os destinos aqui embaixo) a intervir, tornando-se um Guardião.

 
Com todos esses clichês, e não é que o filme é muito bom? Boa parte desse sucesso se deve ao visual do filme, que, para cunhar um adjetivo, é magnífico. As “tocas” de Papai Noel, Coelho da Páscoa e Fada do Dente são cheias de detalhes deslumbrantes, que devem encantar a criançada e podem mesmerizar muitos adultos também. As intervenções de Sandman, criando os sonhos nas crianças, o embate entre Jack e Breu, todo o filme é de uma riqueza visual impressionante, que fica na cabeça bem depois que ele acaba. Muitas vezes, são esses detalhes que tiram a história do lugar-comum, enriquecendo-a.

 
Mas a trama, repito, não é ruim: apenas, como eu já disse, está mais preocupada em entreter, oferecendo uma aventura básica e sem muitas firulas à garotada. Não há piadas com cocô, referências irônicas a outros filmes ou personagens que falam como astros do hip-hop – até nisso o filme é delicado, trazendo um humor pastelão e infantil, no melhor sentido.

 
Chego a achar, mesmo, que A Origem dos Guardiões é a melhor animação da DreamWorks desde a série Shrek. Não está, ainda, à altura da antecessora –nem todos os personagens são tão bem desenvolvidos (a Fada do Dente e o Sandman, por exemplo, ficam bem atrás dos outros) o filme corre poucos riscos, e um pouco de inovação não faria mal a ninguém – mas tem tudo para virar uma franquia de respeito. Basta que, a exemplo deste filme, ela ofereça mais aventuras envolventes e um visual encantador, atraindo as crianças – as de fato e aquelas que moram em todo espectador adulto. Basta, afinal, fazer o simples – com todas as dificuldades que isso implica.

 
Resumindo: A Origem dos Guardiões é a melhor animação nos cinemas de Manaus desde Valente, outro filme menos ambicioso, mas não menos satisfatório. Programão para a molecada neste Natal.

 
Nota: 8,0

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