Por César Nogueira
Edgar Allan Poe entrou para a história graças aos seus contos góticos, onde o sobrenatural e o grotesco marcam presença.
Não bastando isso, o escritor inventou a literatura policial, gênero em que se destacam Arthur Conan Doyle e Agatha Christie, e inspirou dezenas de filmes.
Agora, protagoniza O Corvo, de James McTeigue, diretor de V de Vingança. Essa história detetivesca com tons macabros tem uma premissa interessante, mas falha por causa dos personagens de carisma duvidável e arestas na narrativa.
No início do filme, Poe (John Cusack) reclama da falta de dinheiro, mas mesmo assim bebe demais. Além disso, age como se fosse “o” gênio incompreendido. Sua vida dá uma guinada quando um assassino desconhecido age inspirado em suas histórias, como “O Mistério de Maria Roget” e “O Coração Delator”.
Por isso, o Detetive Fields (Luke Evans) pede a ajuda do escritor para resolver os crimes. Poe o ajuda, principalmente depois que sua amada, Emily (Alice Eve), vira uma peça dos planos do maníaco. Então, protagonista e vilão começam um jogo em que a “realidade” e a “ficção” se misturam e influenciam um ao outro.
Esta dinâmica dá força ao filme, especialmente depois que é o assassino quem começa a inspirar o trabalho do escritor. Igualmente dignas de nota são a fotografia e a direção de arte.
A fotografia compensa enquadramentos sem muita inventividade com a valorização das sombras. Nela, predominam o cinza, para realçar a atmosfera de mistério e horror, e o amarelo, que nos leva para um livro velho, mofado e muito querido.
A direção de arte traz de volta os Estados Unidos da segunda metade do século XIX. Utensílios e prédios mostram um país ainda reverente à Europa e em especial à Inglaterra, sua Metropóle de outros tempos. A maquiagem e o figurino também acertam ao deixarem Cusack parecido com Poe.
Infelizmente, essas qualidades não sustentam uma história em que predominam personagens mal-construídos e com pouco carisma.
Recentemente, Hollywood usa o humor para retratar personagens excêntricos e deslocados da realidade. Como exemplos disso, temos Jack Sparrow e Sherlock Holmes.
No início, o Poe de John Cusack tenta seguir essa linha. Mas o ator transforma o personagem em um mala pedante por causa da sua falta de timing cômico. Na segunda metade da história, o protagonista vira um obstinado genérico, que quer salvar a amada a todo custo.
Tal mudança poderia mostrar múltiplas camadas na construção de um personagem. No entanto, ela apenas evidencia a falta de foco e de criatividade na elaboração do roteiro.
Como assim, Poe, homem sarcástico e sem dinheiro, não trolla Fields nem fala em dinheiro quando este lhe “contrata”?
Os coadjuvantes também tem problemas de vivacidade. Emily parece mais uma peça para fazer o roteiro andar e ficar conforme as convenções de Hollywood do que a representação de uma pessoa.
Por outro lado, o Detetive Fields segue a linha Kristen Stewart de expressividade e não deixa claro quando nem por que ele deixa de desconfiar de Poe e passa a confiar nele (pelo menos é isso que as situações nos levam a pensar).
O Corvo opta por mostrar cadáveres e mutilações de maneira explícita. Felizmente ou não, ele atingiu a sua intenção de chocar o espectador com essas imagens.
Ao fim do filme, me perguntei se todo aquele banho de sangue e vísceras seria realmente necessário para a história. Também imaginei que, se tudo isso ficasse no campo das sugestões, do subentendido, o terror da história teria mais força.
A ideia de O Corvo tem potencial. Este é mostrado quando a história mostra a dinâmica entre o “fato” e a “ficção”. Infelizmente, suas falhas são maiores que seus méritos.
Além disso, o final redentor enfraquece toda a construção feita, ou pelo menos tentada, de Poe.
A frase “Edgar Allan Poe está se mexendo na tumba por causa desse filme” é válida, porque sua falta de graça, coerência e de criatividade traduz bem o que é O Corvo.
P.s.: na minha opinião, o filme seria mais divertido se não se levasse a sério e se, também, tivesse uma matança de zumbis ou monstros do gênero. Imediatamente me lembrei de Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, que pega uma figura histórica e a leva a um ambiente surreal.
E vocês, o que acham de um escritor gótico do século XIX caçando comedores de cérebros ou bebedores de sangue?
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