A partir dessa semana, o Rankings sai dos diretores cultuados para apresentar listas com temas mais diversos, abordando outros aspectos da Sétima Arte.
Para começar, vamos analisar as obras da chamada “Retomada” do cinema brasileiro, o período que começa com Carlota Joaquina, Princesa do Brazil (1995), de Carla Camurati, filme que marcou o retorno da produção nacional após o sufocamento promovido pelo governo Fernando Collor (1990-1992), e vai até os dias atuais.
Nesses quase 20 anos, muita coisa mudou, sem dúvida.
O país fortaleceu sua cadeia de produção, criou vários sucessos indiscutíveis, e conseguiu, enfim, afastar a má reputação adquirida nas décadas de 1970 e 80.
Mas nem tudo, é claro, são flores. O melhor e o pior dessa turma você conhece agora.
Veja:
2 Filhos de Francisco é a prova cabal de que um roteiro bem-feito, uma direção sensível e um elenco afinado (perdão pelo trocadilho) conseguem verter ouro de qualquer material.
Claro, ajuda muito se esse material for a história de uma das duplas sertanejas mais queridas do país: Zezé Di Camargo & Luciano.
Os números falam por si: 5,4 milhões de espectadores, com arrecadação total de R$ 36 milhões.
A cinebiografia tem o mérito de consolidar um cinema verdadeiramente popular e de qualidade no Brasil.
Vários filmes, desde então, vêm tentando reprisar o sucesso de 2 Filhos..., mas faltam a trama envolvente os personagens carismáticos da obra de Breno Silveira.
Provavelmente o primeiro grande filme da Retomada, O que é Isso, Companheiro? foi também o primeiro candidato “sério” do Brasil ao Oscar desde O Beijo da Mulher-Aranha (1985).
Mérito do excelente trabalho de Bruno Barreto na direção, criando um thriller instigante sobre um período delicado da história brasileira: a ditadura militar.
Com um elenco fantástico (Pedro Cardoso, Fernanda Torres e Alan Arkin, entre muitos outros), o filme mostrou o talento acumulado nos anos de “limbo” do cinema nacional.
Walter Salles (Central do Brasil) e Fernando Meirelles (Cidade de Deus) também fariam bonito lá fora, mas Barreto fez primeiro.
Dos vários gêneros praticados no cinema brasileiro, o documentário foi o que nos deu os melhores resultados, graças a feras como João Moreira Salles (Santiago) e Eduardo Coutinho, diretor de Jogo de Cena.
A premissa é a mais simples possível: mulheres comuns contam histórias inusitadas de suas vidas, que depois são encenadas por algumas das atrizes mais gabaritadas do país (Fernanda Torres e Marília Pêra, por exemplo).
Pois esse material rendeu um dos filmes mais ousados e emocionantes do cinema brasileiro dos últimos anos, par a par com as obras de maior voltagem do cinema americano e europeu. Jogo de Cena marca a sofisticação dos documentários produzidos hoje no país.
Esta é provavelmente a maior realização do cinema brasileiro da Retomada.
Uma tarefa dificílima: adaptar um romance sombrio, de narrativa caudalosa, com muita psicologia e
pouca ação.
Felizmente, os envolvidos eram os únicos que podiam dar conta da tarefa: Luiz Fernando Carvalho, experiente diretor de televisão, responsável por novelas e séries antológicas; e Selton Mello, o rosto mais célebre do cinema brasileiro atual, um ator capaz de enfrentar qualquer registro com brilho.
O resultado é impressionante: Lavoura Arcaica, apesar de longo, é um filme enxuto, que concentra e potencializa o impacto do romance original, numa das experiências mais radicais do cinema recente.
O cinema brasileiro voltou em 1995, mas, para o grande público, esse retorno só aconteceu mesmo em 2002. Graças a este filme.
Fernando Meirelles era um cineasta iniciante, mas já tinha larga experiência em televisão e publicidade.
Junto com a também diretora Kátia Lund, ele idealizou a adaptação do romance de Paulo Lins, que retrata a formação de uma das comunidades mais violentas do Rio de Janeiro.
O resultado é eletrizante.
Cidade de Deus foi o primeiro grande sucesso da Retomada, e sua qualidade colocou o Brasil novamente no circuito internacional. Faltam adjetivos para descrever esta obra-prima: envolvente, engraçado, comovente, assustador... mas, acima de tudo, brilhante.
Personagens marcantes (Zé Pequeno, Bené, Mané Galinha), diálogos ferinos (“Dadinho é o @$¨!&*%”) e uma abordagem honesta e brutal da realidade brasileira fazem deste o melhor filme da Retomada, gerador de inúmeros discípulos, alguns brilhantes (Tropa de Elite) e outros nem tanto (Cidade dos Homens, Antônia). Essencial.
Fuja!:
Billi Pig (2012)
Não, este NÃO é o pior filme da Retomada.
De Carlota Joaquina pra cá, por sinal, as bombas existem aos montes: qualquer filme da Xuxa ou do Didi, por exemplo; as comédias puxadas por estrelas globais (nem todas, sejamos justos); muita chatice pretensiosa dos remanescentes da Embrafilme; e por aí vai.
Mas a infâmia coube a Billi Pig, por ele ser meio um resumo disso tudo: um elenco “estrelado” (Grazi Massafera e Preta Gil, ao lado dos arroz-de-festa Selton Mello e Milton Gonçalves), uma produção medíocre (em todos os aspectos), e a doença que volta e meia acomete o cinema nacional: o retorno à chanchada, a comédia sem noção da qual fomos os primers nos anos 70 e 80, em busca do grande público.
Tudo isso vindo de um diretor talentoso, José Eduardo Belmonte, que vinha prometendo bastante com seus últimos filmes, Meu Mundo em Perigo (2007) e Se Nada Mais Der Certo (2008), o que só aumenta a decepção.
Para cada produção bem-cuidada, que respeita a inteligência e a sensibilidade do espectador, que eleva o nível dos realizadores e do público, vamos ter de encarar outros dez como esse (ou como Agamenon, ou como Reis e Ratos)?
O público brasileiro realmente não consegue apreciar nada melhor?
Billi Pig não é o pior filme da Retomada. Nem é um desastre total, na verdade. Mas acaba sendo a triste confirmação de que, passado tanto tempo, nosso cinema mais popular ainda é obrigado a descambar para esse viés tosco, se quiser trazer gente para o cinema.
Já está mais do que na hora de andar pra frente.
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