Certos filmes nos fazem mal, mas são necessários.
Questionadores, estas obras nos colocam dentro de sua história rapidamente e vai nos jogando em um mundo que não é nada agradável, do qual suas revelações nos deixam atordoados por verdades incômodas que vai nos impondo ao longo da trama.
Mexem com nossa realidade e com a forma de ver casos do nosso cotidiano.
Ao final, o peso deles são enormes e exigem muito mais do que uma mera visão superficial, pois, caso seja apenas mais um filme visto, não terá cumprido sua verdadeira missão: a de nos fazer refletir sobre aspectos da nossa vida.
“Precisamos
Falar Sobre Kevin” é o mais recente exemplar do gênero que, na minha
visão, teve em “Tropa de Elite 2”, “Tiros em Columbine” e “Violência
Gratuita” os mais fortes representantes nos últimos anos.
Adaptado do Best-seller escrito por Lionel Shriver, o longa mostra de maneira não-linear a história de Eva (Tilda Swinton), uma mulher que tenta retomar a vida após o filho dela, Kevin (Ezra Miller) cometer um massacre em uma escola norte-americana. Paralelo a isso, vemos a relação conturbada e amargurada dela com o filho desde o momento da gravidez ao fatídico dia.
Tendo como força-motriz a relação entre mãe e filho, “Precisamos Falar Sobre Kevin” nos faz uma pergunta incômoda: de onde surge a violência que vem aflorar em um ato cruel? O desenrolar da trama mostra o quanto é imprevisível saber como chegar a essa resposta e a complexidade das situações vividas por essas pessoas torna tudo ainda mais difícil.
Kevin pode ser enquadrado facilmente como um sociopata: sua capacidade de fingir ser uma pessoa em frente ao permissivo pai (John C. Reilly, contido, mas preciso), enquanto mostra uma outra face mais temível no seu relacionamento com a mãe; a falta de preocupação com outras pessoas e os sentimentos que desperta através de seus atos nefastos, mostrado em terríveis cenas em que demonstra seu tratamento para com a irmã; a violência sendo usada como descarga emocional, seja em um jogo de videogame ou até mesmo em seu brinquedo favorito – um jogo de arco e flecha; o ódio incomum que sente pela mãe, com uma necessidade absurda em cometer toda tipo de mágoa nela.
A ótima atuação de Ezra Miller ajuda ainda mais a trazer essa visão assustadora de Kevin: com seus olhos sempre baixos e furiosos, há um aspecto demoníaco e temível a cada vez que o vemos. Sua atuação contida faz com que ele passa longe de ser apenas mais um adolescente em crise e se torne em um sujeito realmente perigoso. A aparência pálida reforça ainda mais essa sensação de alguém sem vida e sentimentos.
Porém, será que Kevin já era mau dessa maneira ou se tornou assim de alguma forma? Tal questionamento toma forma, principalmente, pela maneira como o rapaz surge para Eva.
Afinal de contas, ela não desejou tê-lo desde o início e o despreparo em ser mãe transforma o comum, porém complicado, ato de fazer um bebê parar de chorar um desafio, o que transforma o som de uma britadeira em um verdadeiro alívio.
O desespero dela com o fim da vida promissora que pretendia para a realidade de dona de casa em um subúrbio norte-americano está estampado no rosto de Eva: mesmo com todo esforço que faz para ter uma relação mais saudável com Kevin, é possível perceber que ela está a ponto de explodir e sem a menor paciência e vontade de ser mãe dele.
Como uma criança se sente em uma situação dessas, na qual a mãe, o seu principal alicerce e a pessoa com a qual você mais pode contar neste período da vida, não o quer por perto? Quanto dessa frustração foi motivador para a realização do diabólico plano de matar estudantes que nada tinham a ver com isso? Ou tudo que ele fez seria fruto apenas de sua natureza doentia e sádica?
Mas,
como culpar Eva, presa em seu próprio mundo que até procura se esforçar
para ser uma boa mãe e não acaba conseguindo? E que me desculpem os
moralistas, que mãe é mãe e precisa obrigatoriamente amar sua cria: é
muito fácil falar quando se está fora do contexto e não são os seus
planos e sonhos destroçados. Sua infelicidade é latente, clara e
estampada, o que piora sua comunicação com o filho, já que passa a maior
parte do tempo com o garoto.
Quando a vemos após o massacre cometido por Kevin, Eva se torna uma espécie de fantasma, um ser que anda, come, olha, dorme, mas não vive.
Sua única clara motivação é procurar alguma forma de entender aquilo, compreender os erros do passado e achar neles algum sinal de onde pode ter surgido o monstro que fez algo tão perverso.
Caso contrário, se sente como uma responsável pelo assassinato de cada um daqueles garotos que seu filho matou, passagem sutilmente exemplificada no belo momento em que limpa uma parede suja de tinta vermelha, atirada contra sua casa por pessoas revoltadas pelos atos de Kevin, e seu rosto fica com resquícios do material, dando uma leve impressão de sangue em sua face.
No maior papel de sua carreira até aqui, Tilda Swinton brilha e, se conseguimos entrar de maneira tão profunda na personagem, capaz de nos gerar tantas reflexões, deve-se ao seu trabalho mais do que brilhante. Inacreditável ela nem ter sido, ao menos, indicado ao Oscar 2012.
A decisão de optar em contar a história de maneira não-linear se mostra acertada por parte da diretora Lynne Ramsay, pois consegue transmitir bem o ambiente confuso e instável daquele mundo onde vivem os personagens.
Ao final, “Precisamos Falar Sobre Kevin” não traz respostas definitivas e nem pretende isso. Sabe-se do ato monstruoso do rapaz, mas não a origem daquela violência toda.
As simplificações que procuramos para tentar tudo mais palpável quando vemos algo bruto não vem e, por isso, tanto incômodo causa. A violência e as razões dela se mostram muito mais complexas e impossíveis de serem percebidas e até mesmo resolvidas.
E essa é a violência que vemos todos os dias nas ruas de Manaus, do Brasil e no mundo a que mais agonia: aquela sem bandeira, nem causa, vícios ou explicações.
NOTA:8.5
PS: o filme não estreou nos cinemas de Manaus, mas já está disponível nas locadoras da cidade, além, é claro, da Internet.
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