segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

Crítica: Inatividade Paranormal, de Michael Tiddes

Por César Nogueira


Nas paródias de filmes de sucesso, a ironia em discurso geralmente não tem um grande refinamento. Seu foco é o humor pastelão que ridiculariza cenas do  "homenageado" e convenções de gênero. Essencialmente, isso não é problema. Como exemplos mais antigos, temos Top Gang - Ases Muito Loucos!S.O.S - Tem Um Louco Solto no Espaço. Os dois têm espaço na memória afetiva de muitos que viveram a infância entre o fim dos anos 80 e início dos 90, inclusive de gente que hoje se vangloria por assistir Woody Allen e Monty Phyton.

Todo Mundo Em Pânico, de 2000, satiriza filmes de terror como Pânico e Eu Sei O Que Vocês Fizeram No Verão Passado. As piadas escatológicas e de cunho sexual o diferenciaram da concorrência. Com ele, os irmãos  Marlon e Shawn Wayans descobriram uma fórmula de sucesso que, mesmo detonada pela crítica, já está no quinto filme e é copiada por outros realizadores. Os dois investem no humor de baixo calão, físico, com poucas ironias e qualidade discutível também em, digamos, roteiros originais; são deles as pérolas As Branquelas e O Pequenino.

Agora, sem a companhia do irmão, Marlon roteiriza, produz e estrela Inatividade Paranormal. O filme requenta a proposta iniciada em Todo Mundo Em Pânico ao satirizar Atividade Paranormal e, no último ato, O Exorcista.  A história se contenta em ser mais do mesmo. Não bastando a sensação de déjà vú, as suas piadas, em sua maioria, não funcionam se você tiver mais de 12 anos e critérios cinematográficos minimamente desenvolvidos.

O primeiro Atividade Paranormal inspira "Inatividade". O casal Malcom (Wayans) e Keisha (Essence Atkins) decide morar junto e registrar sua rotina em vídeo. Tudo ia bem na vida dos dois até que fenômenos sobrenaturais, demoníacos, começaram a acontecer no lugar, principalmente pela madrugada. Em paralelo a eles, há a busca por seus motivos. A partir dessas duas linhas narrativas, Inatividade Paranormal pretende arrancar não sustos, mas risos da plateia.

O humor do filme, tal como o das outras obras dos Wayans, se baseia em referências a sexo e escatologia. Seus personagens são tipos, e não pessoas. Ironias sobre racismo, crise americana e imigração aparecem raras vezes ou outras.

Infelizmente e de modo geral, as piadas do filme nos causam sustos com a sua falta de graça. Isso incomoda mais do que a grosseria delas e a falta de acidez no suposto (e escasso) sarcasmo do roteiro. O fato de vermos tipos, e não personagens, poderia ser desconsiderado se eles nos fizessem rir. Mas não é o que acontece.

Momentos que podem ser considerados bons só o são se flexibilizarmos os critérios de análise, se tivermos a gentileza de ver que a falta de graça neles é menor do que no resto do filme. Eles também conseguem existir se formos exigentes como um pré-adolescente genérico de tamanho médio. Como exemplos de boas tiradas, temos um comentário ou outro sobre racismo (não só contra os negros, mas também contra latinos) e a cena de sexo de Wayans, careteiro, com bichinhos de pelúcia.

Forçando ainda mais a barra, a sátira à cena de Atividade Paranormal em que Atkins fica em pé, de frente para a cama, dançando por horas a fio, mostra espirituosidade - só nos primeiros dez segundos; depois, perde o timing ao se estender mais do que o necessário.

Quanto aos outros personagens, ao contrário, não têm panos quentes que deem jeito na ruindade deles. 

No fim das contas, todos só servem de escada torta para os protagonistas. A unidimensionalidade deles é mais notória do que a destes. Chega a ser difícil de dizer se falta mais graça no casal swinguer, no médium gay, nos caras da televisão ou no padre bandido.

O comportamento da plateia evidencia os problemas neles. Os que riem com gosto das piadas dos protagonistas ficam em silêncio quando, por exemplo, o padre fala da rotina na cadeia. Fica a impressão de que ele, com as piadas, quis dizer: "olha como eu sou engraçado". Como resposta, o público praticamente diz: "aham, senta lá, Cláudia".

"Inatividade" falha também na técnica e nos detalhes.

Tal como o filme de terror em que se baseia, ele afirma que as suas filmagens, pretensamente amadoras, não são obras de ficção. O diretor de fotografia, Steve Gainer, falha notoriamente ao conceber a imagem de "Inatividade" com qualidade técnica e enquadramentos com um mínimo de elaboração. A câmera sempre mantém o foco impecável e os personagens enquadrados segundo o be-a-bá da fotografia. O resultado alcançado por Gainer, por mais que ele tente lhe "sujar", dificilmente seria igualado por alguém sem conhecimentos de audiovisual.

Percebe-se as falhas conceituais também nos detalhes. No início da projeção, Wayans carrega a câmera portátil com tensão, abrindo os braços e expressando usar força. Por isso, fica a pergunta: ele usa uma Sonyzinha ou uma pesada câmera de cinema?

O roteiro também prejudica o trabalho do diretor de fotografia. Para caçar risos da plateia, a história obriga Gainer a ignorar conscientemente o "amadorismo" em que "Inatividade" se baseia. Um exemplo claro disso é a cena de sexo de Malcom com os bichos de pelúcia, que tem planos distintos filmados, conforme o que mostra a situação, com uma só câmera. Sinceramente, não sei como ele conseguiu filmar essa cena pegando takes de vários lugares com um único equipamento, tendo o mínimo de apuro técnico e ainda por cima mandando ver, se é que me entende...

"Inatividade" também erra feio quando cria situações e depois se contradiz. Um bom exemplo disso é a saída de Malcom de casa. Ele vai embora, com raiva de Keisha, à noite, dizendo que nunca mais ia voltar. 

Em seguida, há uma piada (sem graça). Então, pela manhã, ele aparece na cama, como se nada tivesse acontecido. Mas ele não tinha ido embora pra sempre? Segundo a explicação do filme, ele só tinha ido beber todas. Pois é, a informação inicial foi ignorada por completo. Em seguida, a fala de Malcom é cortada no meio do seu raciocínio para dar lugar a uma piada (escatológica e sem graça).

Alguém pode dizer que, indiretamente, o humor discursivo está sendo posto num patamar superior ao escatológico e ao de conotação sexual. Não está. O problema fica por conta de como "Inatividade" os usou.  Ted e American Pie: O Reencontro talvez vão mais além nesse tipo de piada e conseguem um resultado positivo. Enquanto que nestes dois a grosseria choca a ponto de nos fazer rir copiosamente, na paródia aos filmes de terror ela choca por tentar de todos os modos nos fazer rir e, na maioria absoluta dos momentos, não conseguir.

Mas nem tudo está perdido. As intermináveis uma hora e vinte de "Inatividade Paranormal" funcionam como um belo contraexemplo. Graças a filmes como ele, percebemos o que não funciona numa história. 

As qualidades de outros filmes de comédia, com a mesma proposta ou não, se acentuam depois de vermos uma obra com tantos erros; como dizem por aí, é preciso conhecer as trevas para dar valor à luz.

Ao mesmo tempo, "Inatividade" nos mostra que, sim, há coisas piores por aí. Wayans e o diretor, Michael Tiddes, não atingiram a ruindade de, por exemplo, Deu A Louca Em Hollywood, o que, convenhamos, seria uma feito.  Por isso, o ator e os eu irmão mantêm um maior refinamento artístico em relação aos genéricos dos seus filmes.

Pois é, convenhamos mais uma vez, isso não quer dizer grandes coisas.

Nota: 5,0

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