Set Ufam analisa cinco filmes ganhadores do Oscar que derrotaram outros tidos como obras-primas do cinema. E descobre que há alguns que, de fato, merecem um lugar nesse panteão.
Um debate frequente e acalorado entre os amantes do cinema é sobre o “merecimento”, ou não, de um Oscar. “Ei, mas o filme do fulano é bem melhor que o do sicrano!”; ou “Neguinho só fez esse filme de bom, o outro tem dez filmes que ganham desse aí!”; ou ainda “Esse cara tem que ganhar! Se a Academia premiar outro, ela realmente não é mais a mesma!”, e por aí vai.
A discussão é antiga, e sempre vai existir. O Oscar tem seus defeitos: é limitado à produção americana, tem poucos indicados, é dado a modismos, leva em conta questões políticas e ideológicas, e é pautado por uma indústria corporativa e conservadora.
Mas também é o prêmio de maior prestígio e visibilidade do cinema mundial, e com razão. O cinema americano continua a ser, apesar dos percalços, o maior do mundo, tanto em produtividade quanto em qualidade (não desmerecendo, é claro, a produção superlativa de outros países), e a Academia, que organiza a premiação, tem procurado se esforçar para se manter antenada e passar ao largo de outras questões que não a qualidade das produções em disputa – algo que não raro não consegue, evidentemente. Mas tenta.
Portanto, se há lapsos graves, como a total ausência de premiações para gênios como Charles Chaplin, Alfred Hitchcock ou Stanley Kubrick, há muito mais láureas para nomes igualmente vastos e significativos da Sétima Arte, como John Ford, Frank Capra, John Huston, Billy Wilder, Francis Ford Coppola, Woody Allen, etc.
A lista de hoje examina essa polêmica: será que alguns dos premiados, tidos como injustos por terem derrotado obras visionárias, foram tão indignos assim? Será que Operação França é muito pior do que Laranja Mecânica? Ou que Rocky – Um Lutador de fato puxou o tapete de Taxi Driver?
Nesses cinco títulos você vai descobrir alguns filmes que, embora muito criticados por sua escolha, também têm méritos para justificar a estatueta. Nenhum deles, provavelmente, é superior ao rival famoso, mas também não são a bomba que outras listas mundo afora insistem em afirmar que são.
Confira. E depois nos diga se eles não mereceram muito mais do que Carruagens de Fogo, O Paciente Inglês...
Esse talvez seja o mais malhado de todos. É o caso mais flagrante de miopia da Academia de Hollywood, a vitória do comercialismo sobre a arte, os grandes estúdios engolindo os diretores rebeldes e independentes.
Ou não.
Afinal, estamos falando aqui de John Ford e Orson Welles, dois dos maiores ícones da arte cinematográfica no século XX. E, na disputa de Melhor Filme de 1942, deu Ford. É fácil entender por quê.
Com os Estados Unidos em plena 2ª Guerra, a história do declínio de um pequeno vilarejo em face da industrialização e do progresso despertou na plateia a saudade de uma época mais simples, anterior aos horrores dos conflitos mundiais e da miséria nas grandes cidades. Narrada do ponto de vista do garotinho Huw (Roddy McDowall), Como Era Verde o Meu Vale era um drama singelo, mas contundente, como só o veterano Ford sabia fazer.
Kane, por sua vez, era a biografia do magnata da imprensa marrom Charles Foster Kane, um jovem solitário e idealista que aos poucos é corrompido pelo poder e a fortuna. Ou seja, o avesso do sonho americano, o ideal de prosperidade daqueles anos difíceis. E ainda por cima cheio de ousadias formais e narrativas, como a montagem não-linear, a ambientação expressionista e os ângulos de câmera inovadores. Entre o feijão com arroz no capricho e a cozinha futurista, bem, vocês já sabem. Como sabem que, durante décadas, Kane foi considerado o melhor filme de todos os tempos. Só faltava saber, também, que Como Era Verde o Meu Vale é um dos pontos mais altos de um dos grandes diretores americanos.
Como o próprio Welles coloca: “dos diretores, eu gosto dos velhos mestres, ou seja: John Ford, John Ford e John Ford”.
Trinta anos depois, outra vitória controversa, dessa vez partindo da nova Hollywood contra a velha: Operação França, do diretor William Friedkin (deO Exorcista) derrotou o favorito Laranja Mecânica, de Stanley Kubrick. Aqui, porém, o buraco é mais embaixo.
Operação França é um marco da renovação estética do cinema americano nos anos 1970. Com uma trama violenta, que gira em torno da caçada empreendida por “Popeye” Doyle (Gene Hackman) e “Cloudy” Russo (Roy Scheider) a um traficante de drogas francês, a obra apresentou à plateia “mocinhos” amorais e cenas de perseguição de um realismo inédito.
O filme de Kubrick, por sua vez, ia ainda mais longe, ao trazer a história de um psicopata juvenil, que se torna vítima de um estado ainda mais cruel e opressivo. Na comparação, Operação França parece menos ousado, mas na verdade tratam-se de duas versões da mesma novidade: um mundo desencantado, corrupto e escuro, que se descortinava para um público igualmente desiludido, no auge da Guerra do Vietnã. Na dúvida, compre os dois.
O duelo entre o convencional e o inovador chega ao extremo aqui: Rocky, uma clássica história de superação, estrelada pelo ícone de ação Sylvester Stallone, sobe ao ringue para encarar o hiperativo, sombrio e violento Taxi Driver. Enquanto o filme de Martin Scorsese foi um choque para o público,Rocky – Um Lutador foi a alegria.
E não é que, mesmo preferindo o choque, eu gosto muito da história do lutador? Envolvente, emocionante, a trama sobre um homem humilde que se torna um astro do boxe inspirou muitos garotos mundo afora. E, mesmo dentro dos seus padrões conservadores, Rocky desafiou convenções, trazendo uma ambientação realista, personagens bem desenvolvidos e um herói que, vejam só, é derrotado no final. O importante é se superar, não vencer a qualquer custo – uma mensagem rara nesse tipo de filme. Taxi Driver é melhor, mas Rocky, não tenham dúvida, também é um filme que vale muito a conferida.
Ah, e esqueça as continuações.
Aqui, a discussão desperta menos paixões. Os dois filmes são bons, mas não chegam a ser clássicos.
As Horas, do diretor inglês Stephen Daldry, é uma ambiciosa meditação sobre o poder da arte, tendo como ponto de partida a criação do romance Mrs. Dalloway, de Virgina Woolf, ela própria uma das protagonistas do filme.
Chicago, por sua vez, é uma divertida e escandalosa adaptação do musical de mesmo nome, de John Kander e Fred Ebb, sucesso da Broadway nos anos 1970. Com Catherine Zeta-Jones à frente, de longe a melhor razão para se assistir ao filme, Chicago trouxe merecida popularidade às canções dos autores, além de ajudar a reacender o interesse pelo gênero musical, que hoje ganha força. Mas a principal razão continua a mesma: é um dos filmes mais divertidos a ganhar o Oscar de Melhor Filme, com sua história de mulheres fatais e escândalos de mídia.
A injustiça mais recente da lista aconteceu há três anos. Contra o rolo compressor A Rede Social, narrativa épica sobre a criação do Facebook, que vinha conquistando vários prêmios, surgiu uma história inusitada sobre um príncipe inglês, portador de uma deficiência terrível para um homem público (ainda mais da família real): gagueira.
O Discurso do Rei, no entanto, se impôs junto aos votantes da Academia, e acabou levando os prêmios de Filme, Direção, Ator e Roteiro. Com sua abordagem franca (e frequentemente hilária) do problema, mais os desempenhos superlativos de Colin Firth e Geoffrey Rush, o filme é um programa leve e acessível, que, se não chega a ser um grande filme, ao menos diverte bastante – além, é claro, de ser um contraponto a toda a pretensão do filme sobre aquela rede social.
Nenhum comentário:
Postar um comentário