O Set Ufam segue rumo à grande festa do cinema recordando que o Oscar, muitas vezes, leva outras considerações na hora da premiação, além da qualidade técnica dos filmes.
Zeitgeist é um expressão alemã que quer dizer "espírito do tempo". Em outras palavras, ela reúne as tendências sociais, culturais e intelectuais de determinada época. A Academia tem o costume de observar essas movimentações. Não raro, suas premiações se baseiam antes nelas do que em critérios artísticos.
Dessa forma, a premiação ganha uma forte conotação política.
Pensando nisso, o Cine SET separou alguns prêmios que seguiram fortemente as tendências do momento, indicando ou reparando caminhos.
De vez em quando, a Academia concede prêmios para compensar outros anos. Martin Scorsese e O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei exemplificam isso.
Até 2007, o diretor nova-iorquino nunca tinha ganhado um Oscar de Melhor Filme nem de Diretor. Por isso, na premiação daquele ano, a Academia resolveu agraciá-lo com estes dois prêmios, mais o de roteiro adaptado e edição. Afinal de contas, o diretor já estava ficando velinho, e a Academia não poderia deixar de premiar alguém tão relevante para o cinema como ele. Bastavam só as "moscadas" de não ter premiado gente como Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock. Por isso, a compensação histórica falou mais alto do que as (muitas) qualidades de Os Infiltrados. A história de mafiosos irlandeses ganhou de filmes como Babel, de Alejandro González Iñárritu, e Cartas de Iwo Jima, de Clint Eastwood.
Os dois primeiros capítulos da saga O Senhor dos Anéis foram coadjuvantes da premiação, apesar das suas muitas indicações. Em 2002, A Sociedade do Anel foi indicado em treze categorias e ganhou quatro. Uma Mente Brilhante tirou de Peter Jackson as estatuetas de melhor filme e diretor. As Duas Torres, em 2003, concorreu em seis prêmios e ganhou duas estatuetas, ambas de categorias técnicas. No prêmio de melhor filme, ele perdeu para Chicago. O último capítulo de O Senhor dos Anéis mudou esse tom.
Participante do Oscar de 2004, ele é, ao lado de Titanic, recordista em número de estatuetas. As suas doze premiações, incluindo as de melhor filme e melhor diretor, compensaram os dois anos anteriores.
Acerto com o tempo
A Academia também faz reparações históricas de vez em quando. Halle Berry e Kathryn Bigelow que o digam.
Berry foi a primeira (e até agora única) atriz negra da história a ganhar um prêmio de melhor atriz do Oscar, em 2001. Interpretando Leticia Musgrove em A Última Ceia, ela ganhou de Nicole Kidman, Judi Dench, Renée Zellweger e Sissy Spacek. Seu discurso emocionado em agradecimento ao prêmio foi um destaque à parte.
Depois disso, a atriz fez bombas como A Mulher Gato. Agora, ensaia um retorno à boa forma depois de A Viagem.
Com Bigelow, o simbolismo teve mais intensidade. Em 2009, o seu Guerra Ao Terror desbancou Avatar nas categorias filme e direção. Assim, ela foi a primeira mulher a ganhar estes dois prêmios, ainda por cima desbancando um fenômeno de bilheteria capitaneado pelo ex-marido, James Cameron.
Neste ano, a diretora concorre ao prêmio de melhor filme com A Hora Mais Escura, Suas chances são poucas. Isso não exclui o feito de ela ter sido, mais uma vez, a única mulher na disputa do prêmio.
Processo de Autoafirmação
Um outro movimento do Oscar, igualmente político, é o de materializar sentimentos coletivos.
O cinema vinha passando por uma crise sem precedentes na década passada. Os downloads ilegais, as séries e os videogames ameaçavam as bilheterias dos cinemas. Para mantê-las em forma, a indústria investiu pesado nas continuações de blockbusters. A difusão do 3D também ajudou no faturamento, graças ao preço maior dos ingressos das suas sessões.
Essas estratégias não seriam um problema se não tivesse tido o uso abusivo de fórmulas narrativas e se o recurso 3D fosse aproveitado para além dos fins cosméticos. Além do mais, filmes mais ousados e/ou com mais refinamento iam perdendo espaço. Diante deste panorama, muitos temiam o fim de Hollywood nos anos 2000. Previsivelmente, muitos fãs da indústria não queriam isso de jeito nenhum.
O Oscar materializou esse medo, ano passado, com uma grande homenagem aos primórdios do cinema. Na cerimônia, Hollywood se autoafirmou ao mostrar a sua bela e rica história.
A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese, tinha como tema e personagem o pioneiro francês do cinema George Méliès. Não podemos nos esquecer de que Scorsese é um grande apaixonado pela sétima arte, o que só reforça o seu simbolismo.
O grande vencedor da noite, O Artista, ressuscitava o cinema-mudo com romantismo e leveza. Seus méritos artísticos, por si sós, o credenciavam para ser o franco-favorito da noite. Para sua felicidade, ele conveio de ser a estrela de uma cerimônia que ansiava por premiar um filme como ele.
É discurso batido falar das injustiças do Oscar, que gênios não ganharam nenhuma estatueta, blá, blá, blá. Também chega a ser clichê dizer que a academia dá ratadas como O Paciente Inglês - alguém lembra dele?
Curiosamente, muitas dessas pessoas que criticam o Oscar se esquecem de ver quantas justiças o prêmio já fez. Estas não necessariamente implicam em injustiças, mesmo quando a Academia premiou filmes por questões políticas, outra idiossincrasia dela igualmente criticada como as citadas acima.
P.s.: gosto de comparar o Oscar ao Nobel de Literatura. O prêmio máximo das letras distribui prêmios por questões políticas, como o engajamento do seu agraciado com as questões artísticas e sociais do seu país.
Os suecos convivem com críticas por não terem premiado Joyce, Kafka, Borges e Proust, mesmo tendo agraciado Beckett, Camus, Russell e Coetzee. Vai entender....
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