A história você já conhece: sujeito com problemas sérios na vida pessoal descobre que existe outra pessoa tão ou mais avacalhada do que ele, e aprende que, apesar dos pesares, é possível ser feliz.
Originalidade não é mesmo a maior preocupação do diretor David O. Russell, que, depois do sucesso precoce em Três Reis (1999) e de um longo período de baixa, se reinventou com O Vencedor (2010), e segue na boa trilha com este filme. A preocupação de Russell, como comprova O Lado Bom da Vida, é apenas contar bem uma história.
Pat Solitano (Bradley Cooper, de Se Beber, Não Case) flagrou a esposa com o amante no chuveiro e, num acesso de fúria, espancou os dois. Por causa disso, ele é internado num hospital psiquiátrico, onde é submetido a sessões de análise e grupos de apoio. Oito meses depois, livre, Pat quer se reaproximar da esposa, Nikki (a novata Brea Bee), e, para isso, se agarra a um programa de exercícios e a uma nova “atitude positiva”. Seus rompantes, porém, quase põem tudo a perder, até que ele conhece Tiffany (Jennifer Lawrence, de Jogos Vorazes), uma garota igualmente problemática, mas com uma franqueza que dá a necessária sacudida em Pat, fazendo-o reavaliar sua vida, e – claro – despertando uma paixão entre os dois.
Eis os ingredientes responsáveis por renovar essa história trivial: personagens realistas, brilhantemente caracterizados (Pat, Tiffany, a família tresloucada do protagonista, que inclui um pai compulsivo e supersticioso, vivido pelo melhor Robert De Niro que vejo em anos), elementos de drama (a traição de Pat, os diálogos com Tiffany) e humor negro (a trilha sonora, que usa o clássico “My Cherie Amour”, de Stevie Wonder, de forma perversa, a sequência do ataque de Pat durante a madrugada). O ótimo desempenho do elenco chega a tornar as nuances desses personagens muito mais interessantes do que a história em si, que é previsível e sentimental.
O elenco, por sinal, é a melhor razão para se ver o filme. Bradley Cooper mostra um talento insuspeito para aqueles que, como eu, só o conheciam de Se Beber, Não Case e das comédias românticas anódinas. Seu Pat é a um só tempo rude, frágil, confiante, complicado, enervante e adorável – complexo, como todos nós; Jennifer Lawrence tem aquele traço característico das atrizes notáveis, como Kate Winslet ou Meryl Streep: ela rouba a cena, mesmo sem fazer nenhum esforço aparente para isso; De Niro, repito, faz um surpreendente retorno à forma; e a veterana Jacki Weaver (de Reino Animal) também está boa, como a mãe passiva do protagonista. Até os coadjuvantes, como o melhor amigo de Pat, Danny (Chris Tucker, da série A Hora do Rush) e a irmã sonsa de Tiffany, Veronica (Julia Stiles, de 10 Coisas que Eu Odeio em Você) guardam sutilezas interessantes.
Também conta pontos para o filme a música, que usa com eficiência temas clássicos de cantores pop (Stevie Wonder, Bob Dylan), uma escolha sempre arriscada. Já trabalhando contra, além da trama, está a direção às vezes hesitante de Russell, que erra o timing de algumas sequências e faz movimentos exagerados de câmera. Seu trabalho brilhante com os atores, porém, repete as conquistas de O Vencedor, e faz uma trama banal revelar uma surpreendente capacidade de emocionar.
Resumindo: O Lado Bom da Vida não é nenhuma obra-prima, mas a história divertida e sensível e o desempenho soberbo dos atores mais do que valem a conferida. O filme concorre em oito categorias no Oscar deste ano: Melhor Filme, Diretor, Ator, Atriz, Ator Coadjuvante, Atriz Coadjuvante (o primeiro filme a concorrer em todas as categorias de atuação desde Reds, de Warren Beatty, em 1981), Roteiro Adaptado e Edição.
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