Não é incomum que a releitura de uma obra atinja grande êxito quando traduzida para outro meio. Prova disso é “Os Miseráveis”. O livro de Vitor Hugo data de 1862, e quando foi transformado em um musical, em 1980, a obra encontrou todo um novo público que não necessariamente teve paciência para ler o extenso livro, mas que se apaixonou pela trama e pelas canções.
Depois de quase 60 adaptações do livro e do musical para as telas de cinema, eis que surge “Os miseráveis”, versão 2012, provando que a história continua com fôlego para conquistar a plateia, embora nem tudo sejam flores nessa nova versão. Na trama, o público acompanha Jean Valjean (Hugh Jackman), um prisioneiro fugitivo que encontra a redenção com a ajuda de um monsenhor e se torna um rico dono da fábrica em que Fantine (Anne Hathaway) trabalha. Ele tenta ajudar a moça pobre e sua filha, Cosette (interpretada por Isabelle Allen e Amanda Seyfried), mas vive sempre com a ameaça que o policial Javert (Russell Crowe) o encontre e prenda novamente.
Dirigido por Tom Hooper, “Os Miseráveis” já começa destoando dos outros sucessos recentes do gênero como “Moulin Rouge”, “Chicago” ou “Sweeney Tood”, uma vez que suas falas são quase todas cantadas. Se em musicais como “Os guarda-chuvas do amor” isso não é necessariamente um problema, no longa de Hooper, a narrativa por vezes se torna cansativa ou sem impacto por depender tanto da música, uma vez que o filme, embora tenha quase três horas de duração, condensa demais a história, em especial na primeira hora. O processo de arrependimento e redenção de Valjean, por exemplo, parece acontecer em segundos, assim como a perda da dignidade de Fantine, que perde o emprego, os dentes, o cabelo e a dignidade em um dia! Nesse sentido, o personagem menos prejudicado é Javert, cujas motivações em perseguir Valjean se tornam mais claras no desenrolar da trama.
Impossível não citar o momento em que Fantine canta o clássico “I dreamed a dream”, no qual até mesmo a insistência de Hooper em planos tão fechados (que pouco combinam com o ar épico do filme) funciona a favor da emocionante interpretação da atriz. Aliás, se Hooper erra ao utilizar de recursos um tanto estranhos ao universo dos musicais, como o estilo de filmagem “câmera na mão” em várias cenas, ele pelo menos tem o mérito de dar espaço aos atores realizarem um bom trabalho ao cantar as canções com esmero, apesar de nenhum deles ser cantor profissional. Até Russell Crowe surpreende com o vozeirão!
Depois de tanto sofrimento na primeira hora de filme, o alívio cômico chega com os personagens Thénardier (Sacha Baron Cohen) e Madame Thénardier (Helena Bonham Carter), os pegajosos “pais” adotivos de Cosette quando criança. O segmento musical inicial da dupla, aliás, é o mais divertido do filme. Outra agradável surpresa é o pequeno Daniel Huttlestone como Gavroche, que consegue transmitir toda a sagacidade e ironia do personagem sem aparentar ser uma criança prepotente.
Na segunda metade do filme, temas mais relacionados à política emergem em “Os Miseráveis”, assim como o amor entre Cosette, agora adulta, e o jovem revolucionário Marius (Eddie Redmayne). É a partir desse ponto que as canções parecem se moldar melhor ao filme, transmitindo mais emoção que servindo apenas como recurso narrativo. Para quem gosta de uma história de amor bem clichê, essa parte do filme agradará em cheio, uma vez que o casal personifica todos os valores de pureza, fidelidade e idealismo que se espera de um romance histórico.
De maneira geral, “Os miseráveis” não possui grandes erros, embora suas qualidades também não se destaquem. Os amantes desse gênero cinematográfico não sairão da sala de cinema totalmente descontentes, mas dificilmente elegerão este o seu filme preferido. Se é por uma falta de voz própria ou pelas pressões de dirigir um filme que tinha a obrigação de dar certo nas bilheterias, Hooper não consegue imprimir força suficiente a uma obra que tem nas costas todo o peso da tradição literária e do sucesso nos palcos.
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