A troca de bebês na maternidade já rendeu histórias de forte teor melodramático. Como exemplo, temos a novela Por Amor. Dirigido por Lorraine Levy, O Filho do Outro usa essa premissa. Mas mostra que também pode sair dela um drama político-existencial com uma mensagem subliminar de tolerância.
O protagonista do filme, Joseph (Jules Sitruk) se apresenta ao exército obrigado pelo pai, o coronel Alon Silberg (Pascal Elbé). Em um exame do alistamento, descobre-se que o tipo sanguíneo do rapaz não condiz com o da sua família. Ao buscarem explicação para o fato, Alon e mãe, Orith (Emmanuelle Devos) descobrem que tiveram o filho trocado na maternidade, em Haifa, durante um bombardeio à cidade, em 1991. Para complicar ainda mais, a troca aconteceu com Leila (Areen Omari) e Said Al Bezaaz (Khalifa Natour), um casal de palestinos que vive para dentro do muro de Gaza. Os dois criaram Yacine (Mehdi Dehbi), calouro de medicina em Paris. Tal como Joseph, ele entra em crise de identidade ao saber que seus pais biológicos são outras pessoas, que pertencem ao povo que aprendeu desde pequeno a odiar.
Levy expõe com sensibilidade as várias camadas de conflito do protagonista. Primeiro, há a perda de norte de Joseph ao saber do que houve quando nasceu. Depois, ele se choca ao saber que pertence biologicamente ao "povo inimigo". Por fim, entra em crise existencial: depois da descoberta, quem é esse rapaz? Um judeu? Um palestino? Os dois? Nenhum deles?
O ódio entre os dois povos também é mostrado em várias passagens. O mais explícito é Bilal (Mahmud Shalaby). Ele fica confuso ao descobrir que o irmão nasceu de judeus e, por isso, passa a renegá-lo. Outra demonstração de ódio mútuo, dessa vez inflamada, acontece quando os patriarcas dos Al Bezaaz e dos Silberg quase vão às vias de fato ao discutirem a geopolítica da região. Em um outro momento, com mais sutileza, e por isso com mais corrosão, o rabino tenta justificar, não controlando a emoção, que Joseph, seu melhor pupilo, não era mais judeu porque sua mãe não seguia a crença.
Ao mesmo tempo que mostra essa tensão, o filme propõe a tolerância. Diz que, mesmo com as diferenças culturais, somos todos um só povo. Isso fica claro na cena da descoberta da troca, em que as duas mães choram e compreendem (e consolam) a dor uma da outra. A mensagem de tolerância também aparece com clareza no último ato, quando Joseph, Yacine e Bilal agem como se não houvesse um conflito milenar entre seus povos.
O trabalho dos atores se mostra competente. Jules Sitrek se sai bem como um protagonista desligado e, depois, inseguro e perdido. As outras atuações se equilibram por alto, mas o veterano Khalifa Natour consegue roubar a cena em um dos momentos mais impactantes do filme. Said não fala com Yacine afirmando estar ocupado com o conserto de um carro. Ele agiu assim para disfarçar a sua dor, já que, em baixo do automóvel, caiu em choro quando o filho entrou em casa.
A direção de arte se mostra tão competente quanto as atuações. Enquanto os judeus têm um estilo de vida de classe média-alta americanizada, os palestinos, empobrecidos, possuem móveis e imóveis velhos e convivem com precariedades em serviços como limpeza pública. O ambiente destes também possui referências simpáticas ao Ocidente, como a admiração de Yacine e Bilal pela nossa Seleção.
Há uma aresta ali e acolá em "O Filho do Outro", como a transformação, sem nenhum motivo convincente, de Yacine num vendedor de picolés. Mesmo assim, o filme, no geral, cumpre seu papel de contar bem uma história. Felizmente, sua premissa batida acabou se mostrando como um potencializador desta ode ao respeito mútuo.
Nota:8,5
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