domingo, 11 de novembro de 2012

Amazonas Film Festival 2012 - Crítica: Jorge Mautner – Filho do Holocausto, de Pedro Bial e Heitor D’Alincourt

Por Diego Bauer


Jorge Mautner, embora seja um nome que muita gente nascida depois da década de 80 talvez não conheça, é uma das figuras mais interessantes (e por que não, malucas) da cultura brasileira em todos os tempos. Escritor, compositor, músico, cineasta, intelectual, sociólogo, e até, como ele mesmo se intitula, profeta, Mautner é um personagem que exala conteúdo pelos poros, através da sua obra, em todas as vertentes citadas anteriormente, além de ser uma figura bastante, digamos, peculiar.

Com um material humano como esse, a tarefa dos diretores Pedro Bial e Heitor D’Alincourt torna-se bastante facilitada, e talvez também por isso, os dois tenham ido pelo caminho mais simples e discreto possível para contar essa história, fazendo com que as experiências de Mautner, somadas com a sua música, sejam o elemento primordial do trabalho, sem nenhum tipo de firula narrativa, ou tentativas de chamar a atenção para a direção.

O documentário faz um relato sobre a vida de Jorge Mautner. Desde o seu nascimento, quando os seus pais fugiram para o Brasil para se esconder do nazismo; a sua infância, momento que conheceu o candomblé através da sua babá; e as suas experiências na juventude e vida adulta, passando pela música, literatura, cinema, e as suas escolhas políticas.

Entre um relato e outro, são mostradas músicas de destaque da sua vasta carreira, e este elemento é utilizado de maneira defeituosa no início do documentário. Durante os primeiros vinte minutos de projeção, as músicas possuem um destaque maior do que a história do personagem, criando uma impressão prejudicial de que o que estamos vendo não é um documentário sobre a vida do cantor, mas sim um show musical de Mautner, e que nos intervalos de uma música pra outra temos alguns relatos sobre a sua infância.

Além disso, no início do filme os depoimentos do cantor são lidos de textos feitos por ele próprio. Embora escritos de maneira brilhante, e tenham uma interpretação correta, isso acaba dando um ar frio ao documentário, que contrasta radicalmente com a figura tão cheia de vida e significado quanto Jorge Mautner.

E isso fica ainda mais claro quando vemos o decorrer do trabalho, que adquire corpo e confiança, e cresce radicalmente. Saem os depoimentos frios e estudados, e entra a emoção, a intuição de um personagem riquíssimo. A partir de então, até as músicas começam a adquirir outra função na história, e passam a ser parte fundamental para conhecermos melhor a personalidade de seu compositor, o seu estilo musical, e as suas opiniões sobre a vida.

E como se trata de um personagem que abrange tanta coisa, o filme perpassa vários temas, como o holocausto, que praticamente aniquilou toda a família de sua mãe e seu pai e que, de acordo com Mautner, mudou a sua vida para sempre; a sua curta relação com o álcool (narrada de forma brilhante); a sua passagem pelo campo político, que fez com que ele conhecesse variados estilos de governo, que fez com que ele chegasse a conclusão de que “o mundo medieval é parecido com o moderno, que é parecido com o pós-moderno”; a sua relação peculiar com a filha; o contato com o cinema, com a ditadura, com a literatura...

Tudo isso contado de maneira muito verdadeira, com o olhar sempre especial de Mautner, que parece ter uma visão única sobre praticamente todos esses temas.

Sem dúvida, o melhor momento do trabalho é quando surgem as figuras de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e todos juntos assistem ao filme feito por Mautner, O Demiurgo (1972), que tem os cantores no elenco. É maravilhoso observar a reação de todos quando veem suas aparências no passado, fazendo com que assim também se lembrem de suas convicções, e do mundo em que eles viveram na época.

E assim tivemos uma imersão na mente de um brilhante artista, que culmina na emocionante homenagem feita por Gilberto Gil.

É de chorar. É de chorar, rir, aprender e admirar.

NOTA: 8,5

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