Por Renildo Rodrigues
O filme escolhido para abrir a mostra competitiva de Longas-Metragens do 9º Amazonas Film Festival, Colegas, vem de uma passagem vitoriosa pelo Festival de Gramado, onde ganhou o Kikito de melhor filme. Um road movie singelo e bem-intencionado, cheio de referências a filmes clássicos, Colegas, contudo, tem sérios problemas na sua vontade de abarcar diferentes registros e influências.
Stallone
(Ariel Goldenberg), Márcio (Breno Viola) e Aninha (Rita Pokk) são
moradores de um instituto para crianças com síndrome de Down. Sem pais,
sua educação vem das aulas e do trabalho na videoteca do local, onde
conhecem os filmes a ponto de saber decorado um sem-número de diálogos e
sequências. Eles, porém, almejam mais: Stallone quer ver o mar; Aninha
quer se casar no dia de São Judas Tadeu; e Márcio quer voar. Stallone
então bola um plano para roubar o carro do jardineiro do instituto (Lima
Duarte, que também narra o filme), e a aventura começa aí.
O
mote simples dá vazão a um tom onírico, felliniano, e a uma atmosfera
permanente de inocência e diversão, mesmo que, de vez em quando, os três
rapazes precisem brandir armas e cometer crimes para sustentar sua
viagem. A obra faz diversas referências à década de 1970: filmes
brasileiros do período, a música de Raul Seixas (que inclusive faz uma
“participação”, numa das melhores sequências do longa) e até um charmoso
Kharmann Ghia marcam presença. Influência fundamental, porém, é o
humor: ingênuo e exagerado, deliberadamente artificial, como nas antigas
chanchadas – já aí o filme corre o risco de limitar seu público.
Infelizmente, como em outras produções recentes que revisitaram o período, Colegas
encontra problemas no material. Sem conseguir se decidir entre o
registro onírico, o humorístico e o realista, Galvão enfraquece o
conjunto. Várias gags estão no ponto, divertidas e criativas (os
créditos de abertura, normalmente desprezados no cinema brasileiro,
estão ótimos, cheios de alusões a filmes famosos); outras atrapalham o
ritmo do longa, como as inserções do jornal sensacionalista e algumas
das discussões entre os detetives.
Uma decisão estranha do diretor, num
filme de pegada tão infantil, foi o de liberar os palavrões nessas
cenas, afastando conscientemente um grande público potencial. Galvão
reafirmou, no Festival, que queria fazer uma obra de apelo universal,
tratando seus protagonistas apenas como os jovens que são. Pode até ser,
mas o filme resultante, no entanto, aponta outro caminho – a narração
de Lima Duarte, em tom de fábula, não deixa dúvidas.
Colegas,
apesar de tudo, mostra um diretor e uma equipe obstinados em apresentar
um produto diferenciado, original na proposta e na realização. O maior
mérito está na escolha dos protagonistas: o casal Ariel e Rita e o
rebelde Márcio têm sensibilidade e carisma de sobra, elevando o trabalho
a todo momento em que aparecem em cena. Se mais enxuto e bem definido
nas suas escolhas estéticas (as cenas mais sóbrias, como as de interação
entre os protagonistas, se sobressaem às demais), teríamos um dos
melhores filmes brasileiros da produção recente. Do jeito que ficou,
temos um trabalho simpático, mas que ficou aquém de um filme realmente
memorável.
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