segunda-feira, 16 de julho de 2012

Crítica: Na Estrada, de Walter Salles

Por Diego Bauer


Walter Salles é, na minha opinião, o cineasta mais talentoso e relevante do cinema brasileiro desde a retomada. Com filmes do nível de Terra Estrangeira (1996), Central do Brasil (1998), Abril Despedaçado (2001), Diários de Motocicleta (2004) e Linha de Passe (2008), o diretor apresenta em suas obras uma sensibilidade rara, um apuro técnico invejável, além de sempre arrancar ótimas interpretações dos seus atores.

Apesar de ser um cineasta experiente e consagrado, o maior desafio da sua carreira ainda estava por vir. 

Ao adaptar o clássico On The Road, de Jack Kerouac, Salles assumiu uma grande responsabilidade, não só por adaptar um livro de grande relevância histórica, mas principalmente por ele ser considerado infilmável. E para nossa satisfação, ele se saiu muito bem.

Na Estrada conta a história de Sal (Sam Riley), um jovem de boa família que decide abandonar a sua casa e viajar por cidades do país a fim de coletar experiências para escrever o seu tão planejado livro. Sendo inicialmente acompanhado pelo seu amigo Carlo (Tom Sturridge) ele conhece figuras que irão mudar a sua vida. É o caso de Marylou (Kristen Stewart) e principalmente Dean Moriarty (Garrett Hedlund). Nessa jornada rumo ao desconhecido, os três conhecem figuras marcantes como o músico “dono do tempo” Walter (Terrence Howard), a sofrida Camille (Kirsten Dunst), a batalhadora Terry (Alice Braga) e o excêntrico casal Old Bull Lee (Viggo Mortensen) e Jane (Amy Adams).

Logo de cara percebemos que a fantástica fotografia de Eric Gautier [diretor de fotografia dos ótimos Diários de Motocicleta e Na Natureza Selvagem(2007) ressalta a beleza estonteante dos lugares por onde os personagens passam, mesmo sem utilizar movimentos e enquadramentos clichês, dando apenas as informações necessárias, e sempre contribuindo para o decorrer da história. Além de optar, em vários momentos, pela câmera na mão, que ganha um significado importante de aproximação com aqueles personagens, fazendo com que ela seja mais um elemento que demonstre o sentimento vivido pelos personagens.

Sentimentos, aliás, que pulsam, vibram, explodem na tela, tudo com muita intensidade, como se fosse de uma vez só, transbordando ideias, desejos, frustrações, sorrisos e lágrimas.

Tudo isso com uma naturalidade fantástica.

E isso coloca o filme em outro patamar. Em todas as cenas que vemos, em cada frase dita pelos personagens, cada situação, cada olhar, é tudo tão verdadeiro, humano, real, que meio que nos sentimos parte daquilo também, dá vontade de mais, de ter outras experiências como aquelas.

E nesse ponto, o filme consegue passar com maestria um dos principais pontos do livro, que é o de viajar, pelo prazer que é conhecer diferentes lugares, diferentes pessoas, diferentes histórias de vida, vivenciando coisas novas, sem ter as preocupações das “pessoas normais” da sociedade.

E é claro que para manter esse estilo de vida é necessário realizar sacrifícios, como ter alguns trabalhos em condições inóspitas, e às vezes até ter que praticar pequenos furtos para poder se alimentar, mas são perrengues que parecem pequenos depois de ter uma recompensa tão rica depois.

Sam Riley está na medida certa como Sal Paradise. Funcionando como uma espécie de curioso, que está vivendo aquela experiência justamente para fins de observação e, claro, também para crescer como ser humano, ele traz o tom perfeito para o papel, de um jovem escritor que quer se permitir, e que parece se soltar mais quando está na frente da máquina de escrever, quando a enxurrada de ideias que toma conta dele pode finalmente ser colocada em algum lugar. As suas narrações em off são um excelente exemplo disso.

Apesar de ser contada por Sal, de certa forma, a história gira em torno de Dean Moriarty, e aqui Garrett Hedlund é sensacional. Trazendo uma carga admirável de charme ao personagem, mostrando-o como um jovem apaixonante, fascinante, daqueles que as pessoas gostam de estar perto por saberem que junto dele terão fortes emoções, Hedlund eleva o nível da sua interpretação ao também mostra-lo como inconsequente, irresponsável, inconstante, não confiável e, em certos momentos, de caráter duvidoso, fazendo com que vejamos Dean sobre muitos ângulos diferentes, sempre com muita riqueza. Um momento riquíssimo do filme é quando vemos o encontro de Moriarty e Sal já no final, e pudemos ver que apesar de tudo o que viveram, eles são de mundos bem diferentes.

Kristen Stewart entrega a melhor atuação da sua carreira. Apresentando uma entrega louvável ao papel, ela traz à Marylou uma sempre presente sensualidade, que de certa forma contrasta com as dúvidas e inseguranças que ela sente em relação a Dean, e com isso ela traz um tom de mistério, sempre fazendo com que tentemos imaginar o que ela está pensando. Tenho que destacar a cena da festa de ano novo, em que ela dança com o seu parceiro, além é claro de um dos momentos mais belos do filme, quando ela se emociona ao ouvir um homem cantando uma música que, de certa forma, falava sobre sua vida. 

Fantástico!

Não posso, de forma alguma, cometer a injustiça de não comentar o trabalho brilhante exercido por todos os coadjuvantes do filme. Logo de cara acompanhamos o ótimo Carlo, de Tom Sturridge, sempre com seus conflitos existenciais e frustrações pelo seu (não) relacionamento com Dean; o trabalho brilhante de Kirsten Dunst, ao dar a Camille um ar de ingenuidade e genuíno sofrimento; o interessante Walter de Terrence Howard, que é responsável por uma das cenas mais engraçadas do filme; o excêntrico e maravilhoso casal interpretado por Viggo Mortensen e Amy Adams, com as suas esquisitices, sempre na medida certa; e a força trazida por Alice Braga ao trazer a Terry, dignidade e doçura, utilizando sempre de sutilezas.

É somente uma pena que eles fiquem tão pouco tempo em cena (principalmente Walter e Terry). 

Realmente dá vontade de conhecer mais aquelas pessoas.

Já pude ouvir comentários de que o filme não agradou alguns por ter problemas de ritmo, por se arrastar em determinados momentos, desenvolvendo a sua trama com lentidão.

Não concordo. Considero que o ritmo tinha que ser esse mesmo. O que se podia esperar de um road movie, com tantos questionamentos existencialistas, como esse? Creio que a trama foi contada no tempo necessário, sem pressa, desenvolvendo a história de maneira adequada, criando com correção uma relação de aproximação entre o público e os personagens.

Na Estrada é um daqueles filmes que, quando termina, te obriga a ficar ainda um tempo na cadeira refletindo sobre o que acabou de ver. E o fantástico final do filme só ressalta ainda mais isso, e faz com que tenhamos a real ideia da grandiosidade do que foi visto.

Se me permitem, vou colocar aqui uma fala dita por Sal, que explica bem o sentimento presente em todo o filme: “E me arrastei, como tenho feito toda minha vida indo atrás das pessoas que me interessam, porque os únicos que me interessam são os loucos, os que estão loucos pra viver, loucos pra falar, que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e não falam obviedades, mas queimam, queimam, queimam como fogos de artifício em meio à noite”.

É preciso dizer mais alguma coisa?

NOTA: 8,0

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