sábado, 31 de julho de 2010

Dica de filme: Chocolate

Por César Nogueira, produtor do SET UFAM.


Em filmes de artes marciais, dou um desconto para a história. Me interesso nesse gênero pela porrada. Quanto mais mentirosa, melhor. Em Chocolate (2008), o diretor tailandês Prachya Pinkaew se aproveita da visualidade e da violência do Muay Thai, como já fez no cultuado Ong-Bak e em O Protetor, filmes anteriores seus. As diferenças são que Tony Jaa dá lugar à jovem Yanin Mitananda no papel de protagonista e que Chocolate tem algo exótico para filmes do gênero: uma premissa interessante.



O filme mostra como a autista Zen (Mitananda) financiou o tratamento contra câncer da mãe, Zin. Para conseguir o dinheiro, Zen contou com a ajuda do irmão de criação, o gordinho Moom. Ele era o cérebro na hora de cobrar os comerciantes devedores da mãe, enquanto Zen era a arma. Muitos deviam a Zin porque ela fazia parte da máfia e era companheira de Número 09, o chefão. Depois de uma disputa por território, ela conhece o yakuza Masashi, com quem teve um romance e a filha. Para criar com segurança Zen, que teve o autismo detectado ainda bebê, Zin, sadia, pede para Masahi voltar para o Japão e vai morar longe de Número 09, que vai procurar se vingar do chifre e, no final do filme, recuperar o dinheiro perdido.



A casa onde morava Zin, Zen e depois Moom, achado na rua enquanto era espancado, ficava ao lado de uma academia de Muay Thai. A garota observava os movimentos dos lutadores e era obcecada por Ong-bak, jogos de luta e filmes do Bruce Lee. Esses interesses foram o começo das suas habilidades em lutas. Ressalto isso porque você também pôde ter conhecido esse filme graças a um amigo que o vendeu como a história da garota que vira mestra em artes marciais só de ver o Tony Jaa lutar. Não é beeeeem assim, não. Isso porque fica claro que Zen treinava os golpes de Muay Thai, tanto que a mãe acolchoou uma pilastra da casa por causa dela. Além disso, os reflexos da garota foram treinados desde a infância, pois Moom fez dela uma artista de rua, que desviava ou aparava objetos jogados em sua direção. Ainda falando do amigo empolgado, ele pôde ter esquecido de lhe dizer do background narrativo dos pais, que é mostrado nos minutos iniciais do filme. Na sua sede de pancadaria e numa primeira assistida, talvez você também não tenha prestado atenção na beleza desses minutos iniciais, onde toda a relação de Zin e Masashi é explicada com imagens e não diálogos, ou no narrador filosofando sobre o interesse do yakuza pela beleza das imperfeições, motivo da sua atração por Zin.



Chocolate tem esse nome por causa do gosto de Zen por M&M`s. As balinhas funcionam como uma metáfora para o autismo da protagonista, que as organiza em fileiras de modo obsessivo, e também para a inocência dela, apesar de sua capacidade de fazer estragos. E que estragos. Yanin Mitananda, além de convencer como deficiente, fez ela mesma as cenas de luta, onde dá porrada em dezenas de inimigos, muitos deles de uma vez só, como na cena em que os joga com um pisão do alto de um prédio. O filme tenta criar um adversário à altura de Zen, um rapaz também autista, mas antes da luta dos dois vimos tantas lutas bem melhores que esse confronto de forças iguais fica menor. Dentre os cenários estão uma feira de carnes, uma fábrica de gelo e um dojô. As cores usadas realçam a atmosfera do lugar (no exemplo, vermelho para a feira, branco-gelo para a fábrica e amarelo claro para o dojô), e a coreografia se aproveita muito bem do ambiente: na feira, as cenas em que os dublês batem a coluna, se esbarram em quinas ou são perfurados vão lhe fazer exclamar de espanto e de dor mais do que quaisquer outras.



Assim como em Ong-Bak e em O Protetor, Pinkaew usa um gordinho para dar alívio cômico à história. Mas, ao contrário de seus filmes anteriores, ele usa pouco a câmera lenta e a repetição da mesma cena em vários ângulos diferentes, em todos os quais você se pergunta como Tony Jaa conseguiu fazer aquilo. Em Chocolate, Pinkaew também foi mais minimalista na fotografia, pois não filmou nenhum plano-sequência com quatro minutos de porrada, como em O Protetor. Em compensação, a trilha sonora do filme, um rock alternativo, se encaixa na proposta de inocência e agressividade da protagonista.



Cena de Ong-Bak com câmera lenta, múltiplos ângulos e gordinho fazendo graça - às vezes tudo ao mesmo tempo.


Plano-sequência de O Protetor. O título do vídeo não é exagero.


O descrédito de muitas pessoas com filmes de artes marciais é totalmente compreensível. Chocolate tenta agradar a esse público balanceando história e ação, apesar da lacuna no final e do humor involuntário provocado pelo inglês dos mafiosos. Mas essas falhas nada diminuem a inventividade da sua premissa, a beleza das motivações que levaram a ela e, claro, a coreografia das lutas, que são maravilhosamente exageradas.


Trailer de Chocolate.

NOTA: 8,5

5 comentários:

  1. Grande César (Pleonansmo?!), excelente crítica, me fez querer ver de novo o filme para conferir suas observações!! Como fã de filmes de artes marciais, reconheço que esse filme é muito diferente dos outros, ao acrescentar algo que falta também em filmes pornôs (Nesse caso, acho que ninguém liga... XP): Enredo.
    Parabéns a Prachya Pinkaew,que continue com seu excelente trabalho!!

    Ps: por que diabos a menina não suporta as moscas?

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  2. Obrigado pelo comentário, Higa!

    Cara, ela tem esse trauma porque ligou as moscas à mutilação da mãe. =D

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