segunda-feira, 21 de janeiro de 2013

Crítica: Django Livre, de Quentin Tarantino

Por Diego Bauer


Quando se fala o nome de Quentin Tarantino as reações causadas são proporcionais à força de seus filmes. Tanto os seus defensores como os seus opositores apresentam opiniões veementes em relação ao cineasta e aos seus filmes, algo perfeitamente natural visto que o diretor não permite que haja meio termo no seu trabalho.

Confesso que sou um grande fã de Tarantino, e ao contrário do que a maioria dos seus fãs e críticos de cinema apontam, creio que o diretor evoluiu muito desde o seu estrondoso debute na década de 90. 

Acredito que Kill Bill I II (2003 e 2004), À Prova de Morte (2007) e Bastardos Inglórios(2009) não devem absolutamente nada para os seus reconhecidamente maiores sucessos Cães de Aluguel (1992) e Pulp Fiction (1994), e considero até que o filme que o diretor fez sobre a segunda guerra mundial seja o seu melhor trabalho.

Porém, ao conferir o tão aguardado novo longa do diretor, Django Livre, acredito que pela primeira vez em sua carreira (embora ache Jackie Brown(1997) um filme que enfraquece a filmografia do cineasta) ele deu alguns passos para trás, visto que este é certamente o seu trabalho mais problemático até agora.

O filme conta a história de Django (Jamie Foxx), um escravo que certa noite é encontrado pelo caçador de recompensas alemão, Dr. Schultz (Christoph Waltz), que o procurava para poder encontrar um trio de feitores, que trabalhavam na fazenda em que Django era explorado. Em troca da ajuda, o doutor promete libertar o escravo, e o auxiliar na busca pela sua esposa, Broomhilda (Kerry Washington), que trabalha na fazenda do excêntrico Calvin Candie (Leonardo DiCaprio). Com isso, os dois partem em uma aventura até o Mississipi, que irá deixar um grande rastro de sangue pelo caminho.

Tarantino sempre deixou claro que o faroeste espaguete é um de seus gêneros favoritos, e que ele tem um grande respeito por seus autores, em especial, Sergio Leone, e isso está bastante presente em todos os seus filmes, em especial em Kill Bill II. Porém, pode-se dizer que este é o primeiro faroeste puro do diretor, e isso causa até certo estranhamento, pois vemos momentos que nem parecem feitos por Tarantino, como as andanças de cavalo de Django e Schultz, as cenas de tiroteio, e a fotografia bastante escura do início do filme.

O que causa uma sensação estranha, visto que ao mesmo tempo, o filme permanece com a fortíssima assinatura do seu diretor, com os seus diálogos bastante característicos, os planos que engradecem os seus personagens, violência (daqui a pouco falo mais sobre isso), e uma montagem que, mesmo que mais discreta do que em seus primeiros filmes, permanece com um tom de não-linearidade, com inserts de flashbacks em vários momentos, que aqui possuem um papel realmente muito bom, mostrando que o novo editor de Tarantino, Fred Raskin, substituiu satisfatoriamente a habitual editora Sally Menke.

Outro ponto que também é bastante fiel ao estilo do cineasta é a sua habitual direção canastrona, que sempre traz um certo exagero aos seus trabalhos, que Tarantino traz dos seus filmes favoritos de kung fu, faroestes, blaxpoitations e filmes de terror b, os famosos grindhouses. E se em alguns pontos ela se mostra divertida como quando ele traz o logo antigo da Columbia, e caracteres que nos remetem a velhos filmes de faroeste, em outros ela acaba não funcionando muito bem, como quando ele insere uma barulhenta trilha de terror em certa parte da história, e principalmente no excesso de vezes que ele utiliza a câmera lenta, que se funciona em um belo plano em que vemos a morte de um personagem caindo do cavalo, se torna cansativa e pouco atrativa nas demais vezes, visto que ela é usada em excesso.

E convenhamos, Tarantino, desde que surgiu em Cães de Aluguel, é um cineasta de excessos. Porém isso nunca o atrapalhou, pois o seu excesso era algo brilhante de ver na tela, seja quando era violência em demasia, atuações exageradas, situações absurdas, ou, como é mais comum quando se diz o nome diretor, diálogos excessivos, exagerados e absurdos. Porém, em seus outros filmes, tudo isso contribuía para o desenrolar da história, visto que ele conseguia fazer com que tais elementos jogassem a favor do filme, não sendo algo apenas estético, sem nenhum valor para a narrativa. Em Django, Tarantino pela primeira vez em sua carreira faz com que a sua prolixidade atrapalhe o trabalho, fazendo com que o ritmo da história seja extremamente irregular.

Se o filme começa brilhantemente bem em toda a sequência de libertação de Django até a parte em que eles matam os Brittle Brothers, ele cai bastante em seu segundo e terceiro ato. Mesmo que as situações criadas sejam bastante interessantes, e muito bem filmadas e interpretadas, o roteiro se mostra demasiadamente prolixo, e demora muito para chegar onde quer, criando um certo cansaço em quem acompanha a história. Tarantino alonga demais a sua trama, fazendo com que tenhamos a nítida impressão de que ele está se divertindo muito mais com o filme do que a gente.

Mas, ao mesmo tempo, é complicado dizer tudo isso, e sugerir que certas falas poderiam ser cortadas, ou que certos aparos na edição poderiam solucionar o caso, pois talvez isso não resolvesse. Essa questão está ligada ao início do processo do filme, aliás, vem de antes do próprio roteiro, pois se trata de uma obra de um artista que possui essas características. E pedir que Tarantino enxugue suas histórias é algo que, hoje em dia, nenhuma pessoa tem a coragem e competência para fazê-lo, pois ele mostra uma confiança quase cega no seu talento, e já não permite nenhuma discordância em seu trabalho. Ou seja, não há o que fazer, nem o que sugerir, pois também não seria bom ver um Tarantino sem as características de Tarantino. Nos resta apenas lamentar.

Porém, não posso ser injusto, pois o filme possui momentos em que vemos o que melhor Tarantino pode fazer, como na cena inicial, a sequência no bar, e na engraçadíssima parte em que os cavaleiros da Ku Klux Klan estão com dificuldades em colocar os sacos para esconder o rosto. Além disso, o design de produção de J. Michael Riva é impressionante, com cenários e figurinos bastante convincentes, em um trabalho de encher os olhos. Chega a ser surpreendente ver que o filme não foi indicado ao Oscar na categoria.

Porém certamente a maior qualidade do filme são as suas interpretações. Aliás, isso certamente tem uma parcela do trabalho do diretor, que em todos os seus filmes, sem exceção, consegue auxiliar muito bem os seus atores, com um respeitável número de atuações memoráveis em seus trabalhos.

Jamie Foxx traz uma fúria contida a Django que contrasta de maneira bastante interessante com o expansivo Dr. Schultz de Christoph Waltz, em duas interpretações realmente muito bem conduzidas, que carregam o filme com bastante segurança.

E se Kerry Washington também tem um ótimo trabalho como a sofrida Broomhilda, as minhas interpretações favoritas ficam por conta de Leonardo DiCaprio e Samuel L. Jackson. Logo em sua primeira aparição, vemos que DiCaprio está em um papel que em nada se parece com outros que fez na carreira, e o ator brilha. Vemos em Calvin Candie um astuto empresário, um homem cruel e enérgico, como no combate entre os mandingos, que também se mostra gentil e cavalheiro com a irmã, em um personagem bastante complexo e interessante de ver. E Jackson quase rouba o filme, como o fiel escudeiro do fazendeiro, sendo talvez o personagem mais racista do filme, saindo-se brilhantemente bem nas situações cômicas e dramáticas exigidas pelo seu personagem.

E se o assunto racismo foi citado, o filme vem gerando bastante polêmica pelo mundo por ser acusado de ser racista e exageradamente violento.

Acho surpreendente acusarem Tarantino de ser racista, visto que desde que surgiu, ele demonstra um grande respeito, até mesmo certa devoção, pelo universo negro. Até apareceu no Uol uma matéria sobre quantas vezes a palavra nigger (negro no inglês, com um teor pejorativo) foi pronunciada no filme. O que as pessoas não entendem, ou fazem bastante força pra não entender, é que tudo isso se mostra absolutamente orgânico dentro do filme. Aqueles personagens, naquela época, naquelas situações falavam dessa forma. É papel do artista mascarar isso com medo das reações que isso pode causar? Tarantino sempre deixou claro que o que está em seus filmes não quer dizer exatamente que ele pensa dessa forma, é apenas a maneira como o personagem reagiria nas determinadas situações.

E com relação a violência, o filme realmente é bastante pesado, talvez o mais explicitamente violento do diretor. Mas isso faz parte de um filme, é uma ficção, é fantasia, e é inadequado exigir uma suavização da forma como ela é mostrada na tela, visto que o artista deve se preocupar e ter respeito primeiramente com o seu trabalho, e não se preocupar se ele fere a moral e os bons costumes.

Mesmo depois de ter visto tantos problemas, e considerar que este trabalho não alcança a grandiosidade dos outros filmes do diretor, Django Livre é um filme de Quentin Tarantino, e isso por si só agrega uma série de qualidades que o filme possui e aqui citei.

E um Tarantino menor é, provavelmente, o melhor filme da vida de muito cineasta por aí.

NOTA: 7,0

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