quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Crítica - A Viagem, com Tom Hanks e Halle Berry

Por Renildo Rodrigues


A carreira dos irmãos Andy e Lana (Larry, antes da mudança de sexo) Wachowski tem uma quimera: o sucesso extraordinário de Matrix (1999).

O filme, o segundo de Andy e Lana, foi uma revolução em seu lançamento. Tratava-se de uma fantasia poderosa sobre a reinvenção do homem, condenado por sua violência e ganância a um futuro de horror. 

Ambientado no mundo dos hackers e das festas rave, ágil, violento e com referências filosóficas e religiosas, o filme atingiu em cheio a sensibilidade hiperativa do fim do século XX, faturando mais de 400 milhões de dólares e gerando inúmeros imitadores. Tamanho feito criou nos irmãos a pressão por algo igual, por uma nova revolução.

Fica claro, para quem acompanha a carreira de Andy e Lana Wachowski, que A Viagem, uma trama (também) fantasiosa e alegórica, repleta (também) de alusões filosóficas e religiosas, é um filme dos irmãos, mesmo que o alemão Tom Tykwer (Perfume – A História de um AssassinoTrama Internacional) também assine a direção. Intercalando seis histórias, passadas em seis épocas diferentes, incluindo dois futuros terríveis, A Viagemradicaliza a proposta dos irmãos.

Acompanhamos um advogado ingênuo (Jim Sturgess) que viaja à Nova Zelândia e conhece a realidade da escravidão, no século XIX; um jovem e apaixonado compositor erudito (Ben Whishaw) que se torna assistente de seu mestre, nos anos 1940; uma repórter idealista (Halle Berry) que descobre segredos de uma usina nuclear, nos anos 1970; um editor de livros cínico e cascateiro (Jim Broadbent) que é trancado pelo irmão num asilo, em 2012; uma garçonete franzina (Doona Bae) que vira o pivô de uma revolução, num futuro distópico; e um caçador rude e supersticioso (Tom Hanks) que recebe a visita de uma astronauta, séculos depois da devastação provocada por essa revolução.

A teoria do filme é de que todas as coisas estão ligadas, e que nossas ações agora vão interferir de maneira irreversível no futuro. O mote é interessante, mas o filme martela esta mensagem de tantas formas – afinal, são seis histórias – que lá pelo final da terceira história você já está de saco cheio. Para piorar, o roteiro de Larry, Andy e Tom despreza qualquer complexidade, ao adotar um tom professoral e messiânico, pretendendo ser uma espécie de alerta para a humanidade. Onde Matrix apresentava um dos dilemas de Neo através do personagem Cypher, que, também coberto de razão, se opunha ao asceta Morfeu, A Viagem tem a grotesca pretensão de ser “a mensagem”.

O filme quase sucumbe a essa proposta, mas, ao longo de seus 172 minutos, consegue achar tempo para se ocupar dos dramas de seus protagonistas. E é nesses momentos que o filme produz cenas maravilhosas, tão belas quanto espantosas, pela queda de qualidade que vem logo em seguida. Os momentos finais de Robert Frobisher (Whishaw), o compositor, que observa o namorado aturdido, à sua procura; a garçonete Sonmi-451 (Donna Bae) encostando sua cabeça no peito do líder rebelde; a súplica do escravo Autua (David Gyasi); a fuga do asilo empreendida por Timothy. É a este último, aliás, que se devem os melhores momentos do filme: não só por ser o alívio cômico da história, mas também pela atuação extraordinária de Jim Broadbent, que, depois de décadas fazendo papéis de coadjuvante, finalmente tem a chance de roubar a cena. Também brilham o sensual Whishaw e a delicada Doona, com seus grandes olhos inquisitivos. Tom Hanks, Halle Berry, Jim Sturgess e Hugh Grant, todos atores experientes, emprestam sua eficiência habitual, mas nenhum se destaca dos demais.

Infelizmente, o filme precisa voltar à mensagem, e aí tome ruminações filosóficas sobre a natureza da vida, do amor, de Deus. Não sou contra esse tipo de abordagem; muito pelo contrário, adoro filmes que discutem ideias, que levam para o cinema novos conceitos, novas experiências – A Árvore da Vida, por exemplo, faz isso muito bem. Mas A Viagem fica preso a seu receituário New Age, de amor cósmico, carma e afins. Muito disso já estava presente no romance de David Mitchell, mas há uma ligação clara entre este filme e a série Matrix, especialmente o capítulo final, Revolutions, com sua crença no amor e na redenção final da humanidade. Pode ser um discurso bonito, mas, como naquele filme, a apresentação não é nada convincente.

Outro defeito é a quantidade de histórias. Para poder dar a elas espaço igual na trama, o trio de diretores é obrigado a abandoná-las, muitas vezes, em pleno clímax. É frustrante ver uma das tramas engrenar (especialmente as mais fracas, como a do caçador e a do advogado), ser “cortada” e vê-la voltar mais adiante, desprovida de fôlego. Também é frustrante ver que, assim como em outros filmes que tentam contar histórias paralelas (Babel), algumas são melhores do que outras. Chega a ser irônico que as duas menos ambiciosas e cheias de efeitos – a do editor e a do compositor – sejam também as duas mais bem-sucedidas. E o que é aquele personagem, esverdeado e de cartola, e ainda por cima chamado Georgie (Hugo Weaving)?

A parte técnica do filme, como seria de se esperar dos irmãos Wachowski, é impecável. Não sou fã de efeitos especiais, mas nesse filme eles se prestam à trama, diferente dos excessos de Speed Racer (2008) ou da série Matrix. A ideia de revezar os mesmos atores em todas as histórias é ousada, e, mesmo que a maquiagem pareça artificial em vários momentos – afinal, transformar Halle Berry em loira, Doona Bae em ruiva e Jim Sturgess em coreano não é nada fácil –, é preciso aplaudir a tentativa. A trilha sonora, que alterna a “roupagem” dos temas musicais conforme a época, e a edição de som também estão ótimas.

A Viagem marca um ponto decisivo na carreira dos irmãos Wachowski. Todos os filmes que sucederam a Matrix (o primeiro) falharam, cada um a seu modo, em repetir o sucesso da empreitada. Os irmãos também parecem cada vez mais interessados na criação de megaefeitos, de apresentações grandiosas, e descuidando do conteúdo. Se o próximo trabalho não reverter essa tendência, há uma séria possibilidade de que a genialidade, atribuída aos irmãos com o lançamento de seu magnum opus, comece a ser questionada. Pela ambição e por suas melhores cenas, porém, A Viagem vale a conferida.

Nota: 7,0

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