quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Crítica: Ponyo

Por César Nogueira, produtor do SET UFAM.

Grandes diretores têm seus filmes menores. Por exemplo, Akira Kurosawa dirigiu “Rapsódia em Agosto”, um filme mais inteligente e sensível do que a média, mas menor que outros trabalhos do mestre, como “Kagemusha”e “Rashoumon”. O mesmo acontece com Ponyo, do seu conterrâneo Hayao Miyazaki.


Estão na moda filmes para crianças com temas que só os adultos vão compreender de fato. A Pixar é mestra em fazer isso. Mas o Studio Ghibli, de Myazaki, já fazia isso nos anos 1980 com filmes como “Meu Vizinho Totoro”. Nas obras de Miyazaki não só a temática é adulta, mas o modo como as crianças encaram o mundo também é. Para o artista, ter desafios e responsabilidades na infância não excluem a inocência e a beleza dessa época. E mais uma vez ele nos mostra isso quando conta a história de Ponyo, uma peixinho-dourada que vira amiga e depois par romântico de Sosuke e que, por causa dele, resolve se tornar humana. Para alcançar o seu objetivo, ela vai contra a vontade do pai, Fujimoto, que compreensivelmente quer vê-la distante dos humanos e também tem que abdicar dos seus poderes mágicos.



Miyazaki chega a ser contestador por ainda fazer animações em quadro-a-quadro, quase evitando o uso de recursos computacionais. E Ponyo não é exceção. Nele, tudo é detalhado e fluido, e os personagens são desenhados com traços minimalistas. A água em Ponyo é um destaque à parte: os reflexos nela e os seus transbordamentos em vasilhas são realistas. Ao contrário, as ondas do mar, desenhadas em ukiyo-e por uma criança, dão ao filme uma leveza e um escapismo da realidade típicos dessa forma de arte tradicional japonesa. Falando em mar, ele é praticamente um personagem da trama, pois tudo gira em torno dele. E em Ponyo os seres fantásticos, tão marcantes na obra de Miyazaki, deram lugar a animais de Eras remotas do planeta.


O tema principal do filme é o sacrifício que fazemos por um amor romântico. Podemos duvidar disso, pois se tratam de duas crianças de cinco anos; a pureza da relação de Ponyo e Sosuke nos soa mais como uma amizade sincera. Mas o filme quase nos diz explicitamente que ali é amor, bem, carnal. Já que ele tá dizendo... O subentendido em Ponyo fica por conta da temática ambientalista. Durante a primeira metade, vemos muito lixo boiando. Toki, que mora no asilo onde Lisa, a mãe de Sosuke trabalha, pragueja contra Ponyo, dizendo que ela iria trazer uma tsunami. A tragédia chega e alaga tudo. Sua causa não foi a peixinho-dourado, e sim consequência de atos dos humanos, os verdadeiros vilões da história.



Em O Castelo Animado, uma adolescente dá valor à sua juventude depois de ter sido transformada em anciã. Em Ponyo, Miyazaki mostra a beleza de ser jovem com a já mencionada Toki mais Yoshie e Noriko, que querem voltar a andar normalmente. Todos esses conflitos possuem a suavidade das marés e é refinado pela trilha sonora. O compositor Joe Hisaishi, que já veio ao Amazonas Film Festival, criou uma música-tema para Ponyo menos marcante só se comparada com a que fez para “Meu Vizinho Totoro”.



Crianças provavelmente não vão entender por completo a história de Ponyo, mais ou menos como acontece com Toy Story 3, um dos melhores filmes do ano e que homenageia Miyazaki ao colocar o Totoro como figurante. O diferencial dos filmes do Studio Ghibli para a concorrência é que as suas crianças não só têm atitudes maduras, mas também têm consciência disso. Ponyo, se comparado a um Viagem de Chihiro ou um Nausicäa, é um filme menor. Mas é bom lembrar que um Miyazaki em um mau dia é sempre melhor que um Michael Bay com inspiração divina.


NOTA: 8,0

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