sábado, 21 de agosto de 2010

CrítIca - A Origem

Por Caio Pimenta
Diretor-Geral do SET UFAM


Há quatro meses fiz um texto para este blog sobre uma lista com os 10 melhores diretores da atualidade. Claro que houve muita polêmica. Duas chamaram a minha atenção: o questionamento do porquê grandes nomes como Scorsese e Tarantino não estavam presentes e dúvidas sobre o talento de Christopher Nolan, que muitos julgavam ser um bom diretor, mas não tanto para ser o primeiro colocado.

Talvez, agora com o excelente “A Origem”, o trabalho do americano seja visto com o valor merecido.

O sétimo longa-metragem de Nolan conta a história de Don Cobb (Leonardo DiCaprio), especialista em invadir a mente das pessoas no momento em que elas estão dormindo para roubar segredos guardados no subconsciente das pessoas. Prestes a se aposentar, ele é convencido por Saito (Ken Watanabe), membro de uma empresa energética em difícil situação no mercado, a agir pela última vez: a missão é colocar uma idéia na mente de Robert Fisher (Cillian Murphy), o que pode tornar possível uma mudança no comando do setor da energia mundial. Porém, esse é um tipo de operação complexa, envolvendo três dimensões do subconsciente, o que torna tudo mais instável. Para piorar, Cobb possui um trauma familiar que pode colocar tudo a perder.


Criar um universo tão rico de modo que o espectador não se perdesse era o maior desafio de Christopher Nolan. Afinal de contas, precisamos acompanhar em boa parte da trama de 3 a 4 linhas narrativas, cada qual com suas particularidades.

Por isso, no primeiro ato somos convidados a conhecer as regras, o mundo dos sonhos, os limites do que se pode ou não fazer e quais habilidades os profissionais precisam para enfrentar o desafio de “plantar” uma idéia na cabeça de alguém.

Apesar de em alguns momentos o filme perder o ritmo devido as constantes (e necessárias) explicações, somos brindados com diálogos densos sobre os truques usados para a enganar a mente e a excelente seqüência em Ariadne (Ellen Page) está dentro da mente de Don Cobb e vai descobrindo (e nós também) como criar o mundo dos sonhos sem causar desconfianças na pessoa invadida.

Assim que Cobb e sua equipe começam a invasão ao mundo dos sonhos, a tensão e a ação crescem o que permite ao diretor criar três belas seqüências: a perseguição de um bando armado logo na chegada do grupo ao sonho de Fisher, mostrando o tamanho do desafio, mesmo que ele seja extremamente planejado; a luta entre Arthur (Joseph Lewith-Gordon) com os seguranças do hotel, onde eles parecem duelar como super-heróis, com golpes rápidos e capazes de voar, mesclando referências a Superman, Matrix e 2001 – Uma Odisséia no Espaço; e o clímax do filme reúne toda a loucura e criatividade do roteiro de Christopher Nolan.

Leonardo DiCaprio mostra mais uma vez a maturidade que o vem tornando um dos melhores atores de Hollywood, apresentando um homem instável, mesmo tentando transparecer o oposto.

Cobb é um profissional competente, o melhor que há em sua categoria, capaz de criar sonhos perfeitos, conhecedor de todos os limites do subconsciente humano.

Porém, o trauma que carrega e o sofrimento de não poder ter os filhos por perto é tão grande que o fazem sentir-se vulnerável, colocando em risco todo o grupo. Já Marion Cottilard dosa muito bem as variantes de Mallorie Cobb: da mesma forma que pode aparecer bela e sensível, com um leve toque de carência, pode estar ameaçadora e paranóica em outro take, o que caracteriza perfeitamente a fragilidade emocional da personagem.

Infelizmente, a diferença entre DiCaprio e Cottilard e o restante do elenco é grande.

Ellen Page possui carisma, mas não consegue fazer Ariadne “decolar”, sendo mera coadjuvante de DiCaprio.

Já Watanabe até que começa bem, mostrando Saito como uma pessoa preocupada pela grave situação econômica em que se encontra e ambicioso ao extremo, porém depois de um determinado momento não faz mais nada na história.

Michael Caine faz uma ponta impossível de avaliar qualquer coisa, enquanto Cillian Murphy e Joseph Lewith-Gordon conseguem ser bons coadjuvantes e nada mais que isso.

Nos aspectos técnicos de “A Origem” chama a atenção a trilha sonora de Hans Zimmer, sufocante, densa e misteriosa, com toque épicos, porém contidos, que nos joga no filme como uma espécie de labirinto a ser cada vez mais desvendado (ou não).

Outro ponto de destaque é a direção de arte e edição, principalmente na cena da escadaria infinita, pois a rapidez dos cortes e a construção de todo o cenário nos engana da maneira planejada por Nolan. Se não houver indicações ao Oscar 2011 nessas categorias, a Academia vai estar cometendo um crime.


“A IDÉIA É O PARASITA MAIS RESISTENTE” – Don Cobb


Dessa forma, Don Cobb mostra a importância de seu trabalho e de todo o universo no qual se passa “A Origem”: a possibilidade de mudar o rumo do mundo ou conseguir informações secretas usando os o subconsciente das pessoas.

Interessante notar que em nenhum momento há garantias de que tal método é 100% eficiente, mas a crença de que se criando um mundo parecido com o nosso, tornando o sonho o mais real possível, a chance da idéia “plantada” tornar-se, no mínimo, um pensamento incômodo é grande.

Viver a realidade, cheia de imperfeições, problemas, situações incômodas e da rotina se há possibilidade de construção de sonhos perfeitos é um dilema que os personagens de “A Origem” enfrentam.

A divisão entre o que é realidade e sonho é tão frágil que percebe-se claramente em vários momentos a dificuldade de Don Cobb em saber o que ele está vivendo.

Porém, nada melhor ilustra tal situação do que o relacionamento entre o personagem de DiCaprio e sua esposa, já que o período vivido dentro dos sonhos é intenso, romântico, a concretização do amor idealizado por qualquer casal.

A conseqüência da necessidade de volta ao mundo real mostra a fragilidade que uma imersão profunda em um sonho pode representar e o perigo de não se estar preparado para isso.


Não há como comentar “A Origem” sem falar sobre a cena final.

Então quem quiser ler a partir daqui, já sabe que vai ter SPOILERS.

OK?

Vamos lá: a beleza da construção da cena final de “A Origem” é a mostra decisiva de como Nolan tinha todo o filme sob controle.

Quando vemos, após toda a imersão nos sonhos de Robert Fisher, o personagem de Don Cobb encontrar os filhos, não há como se emocionar com sua conquista, mesmo sabendo que o suicídio de Mal está relacionado a uma trapaça realizada por ele.

Daí, quando ao entrar em casa, pouco nos importamos se ele gira o totem, objeto que faz os personagens saberem se aquilo que vivem é real ou não, pois, nesse momento, a câmera foca mais o abraço dele nos filhos. De repente, Nolan nos faz atentarmos novamente ao totem que continua girando, indicando que tudo é um sonho.

Pouco depois vem o corte e fim de filme.

O detalhe é o momento do corte: a impressão que passa é que o totem está para começar o movimento de queda, porém a velocidade dele tende a continuar girando.

Qual a conclusão podemos tirar?


Isso é com o espectador.

Podemos crer que tudo não passava de um sonho, criado por Mal para fazer com que Cobb acreditasse ter saído do mundo perfeito do casal.

Outra opção é achar que o totem realmente caiu e o personagem de Leonardo DiCaprio conseguiu voltar a viver com os filhos.

Ou então que Saito enganou Cobb. Ou que esses dois estão no limbo e por aí vai.

Mil intepretações podem surgir desse momento.

Exatamente o que Nolan planejava ao idealizar a cena.

Christopher Nolan conseguiu construir um mundo incrível em “A Origem”, cheio de significados e conceitos complexos.

Porém mais do que isso, Nolan mostra a maior habilidade que um diretor e roteirista de cinema pode ter: saber contar uma história..


NOTA: 8,5

PS: link para a lista de melhores diretores da atualidade: http://setufam.blogspot.com/2010/03/os-10-maiores-diretores-da-atualidade.html

Nenhum comentário:

Postar um comentário