terça-feira, 19 de junho de 2012

Com minha voz, digo não aos filmes dublados

Por Diego Bauer

E se eu quiser ver um filme legendado. Tenho essa opção?

Hoje é difícil responder essa pergunta sem adotar um tom pessimista. Pensando de uma forma realista e tendo como base a experiência de uma pessoa que vai (ou pelo menos tenta ir) ao cinema regularmente, a tendência é que, a cada dia que passe, assistir a um filme legendado seja cada vez mais difícil.

E é uma pena pensar que o responsável por isso é o próprio público, seja por se mostrar submisso às imposições das distribuidoras de cinema, que ditam a maneira que o telespectador irá assistir ao filme, ou por preferirem assistir aos filmes assim, seja por preguiça de ler a legenda, ou por alegarem que ela dificulta o entendimento do que está sendo visto/ouvido ou apenas por estarem acostumadas a verem filmes dessa forma, pois assim foram adestradas pela televisão.

E quem paga o preço são os apreciadores do cinema, que acabam tendo que assistir a versões mutiladas dos filmes que desejam, pelo fato da maioria das pessoas não se importar, ou preferir ver filmes dublados.

E não pense que exagero quando digo que considero que assistir a um filme dublado é como vê-lo mutilado, pois a dublagem possui um papel decisivo na maneira como a obra é apreciada.

Quando vemos um filme dublado, não vemos a obra original. O que vemos é outra coisa. Pode ser o que for, mas é algo completamente diferente.

Não há como você analisar coerentemente o trabalho dos atores vendo um filme dublado. É impossível.

Digo isso categoricamente por ser ator.

Quando o ator está criando a personagem, há um processo que começa bem antes do filme. Ensaios, laboratórios, leituras dramatizadas, jogos psicológicos, etc.. Toda essa preparação existe para que o ator compreenda a psicologia da sua personagem, como ela pensa, como ela age, por que ela toma determinadas atitudes. Além, é claro, de definir como é o corpo dessa personagem, e: como é a sua voz.

Há todo um processo criativo, que às vezes demora meses para ser concluído, e que faz com que o ator se torne capaz de compreender essa nova personalidade, e trabalhe com uma infinidade de detalhes. E a voz dessa personagem possui um papel excepcionalmente complexo nisso.

Então, como é possível você substituir esse trabalho minucioso do ator, pela voz de um dublador, que leu o texto em alguns minutos, e sem nenhum tipo de preparo especial, vai dar a sua voz a determinada personagem?

E perceba que não é necessário, nem adequado, entrar no mérito da qualidade ou não do dublador. Por melhor que ele seja, é humanamente impossível que ele transmita milimetricamente a mesma emoção passada pelo ator, pois a maneira que o ator faz o seu papel é única, e o papel do dublador é de passar a atuação da forma mais fiel possível a do ator original. O máximo que o dublador pode fazer é uma boa imitação disso, mas nunca será igual.
Ledger, Penn e Waltz: trabalhos prejudicados pela dublagem

Por melhor que seja o dublador, é impossível ele fazer com tamanha desenvoltura as diferenças de tom, passando do mais carinhoso, a um tom de credibilidade, tudo isso somado a uma feminilidade extremamente estudada que o Sean Penn pesquisou, ao fazer Milk – A Voz Da Igualdade. Não vai conseguir passar da mesma forma a insanidade do Heath Ledger como o Coringa em O Cavaleiro das Trevas. Não vai transmitir toda a sutileza, que vai do galante ao cruel, do Christoph Waltz com o seu Coronel Hanz Landa em Bastardos Inglórios. Se você vir esses filmes citados dublados, com certeza o que viu foi um esboço, um rascunho dessas interpretações.

Então, se você não possui um entendimento fiel das interpretações dos atores, com todas as suas nuances e profundidade, como você pode analisar o filme?

Tudo isso sem contar que a dublagem deturpa o texto dito pelos atores. Chega a ser constrangedor ver que enquanto o roteiro dizia que o personagem falava: Fuck you, motherfucker! Ouvimos: Vá se danar, seu filho da mãe! Isso pode interferir na maneira como acompanhamos e compreendemos o filme, na forma como a personalidade dos personagens é apresentada. Se lá dizia que o cara mandava o outro se f..., isso tem que ser deixado, pois faz parte da história, faz parte do estilo e da construção escolhida pelo diretor.

Não pode vir o cara da Herbert Richers e mudar isso.

E isso também se aplica às animações.

Por se tratarem de desenhos, há uma espécie de tolerância maior das pessoas em assistir a esse tipo de filme dublado, por sempre os terem visto dessa forma.

Mas o fato é que a situação não muda muito em relação aos outros filmes. Com todo o dinheiro que as animações arrecadam hoje em dia, elas possuem grandes nomes no elenco, além do fato de que os responsáveis pelo filme têm um trabalho infernal para sincronizar a boca das personagens com o que é dito pelos atores, e com a dublagem, esse trabalho minucioso é jogado fora.

O último argumento dos defensores da dublagem é um perfeito mistério pra mim. Eles dizem que preferem ver os filmes de forma dublada, pois sem a legenda eles conseguem analisar melhor o que é colocado na tela.

?

Como? Como a legenda pode impedir, ou atrapalhar o entendimento do que é visto?

Falando por mim, ela nunca me atrapalhou em nada, e quando vejo filmes com meus amigos, sempre os vemos legendados, e mesmo assim percebemos perfeitamente elementos como fotografia, movimentos de câmera, direção de arte, figurinos, a interpretação dos atores, pistas secretas dadas pelo diretor, e claro: sem perder o que está sendo dito.

E não se trata do fato de sermos mais ou menos inteligentes, com um conhecimento grande ou pequeno de linguagem cinematográfica. Trata-se apenas do fato de estarmos prestando atenção no filme, e por não nos importamos em lermos a legenda.

Que me perdoem os defensores da dublagem, mas isso me parece mais como uma espécie de preferência de que tudo esteja o mais fácil e palpável possível, para que o telespectador tenha o mínimo de trabalho, e tudo venha em direção a ele, sem que ele precise se esforçar. Nem que o “esforço” seja apenas ler as legendas.

Apesar de tudo, não sou xiita a ponto de querer a extinção dos filmes dublados. É claro que não.

Ninguém é obrigado a ter o cinema como paixão, e tê-lo como uma ferramenta de apreciação de obras de arte. Não posso, nem quero, ditar o que as pessoas tem que assistir, nem de que forma. Se um número de pessoas gosta de ver filmes dublados no cinema, não se importa com isso, e até prefere assim, e quer apenas esquecer um pouco os seus problemas, e apenas se divertir por duas horas, não vejo mal algum nisso, pois vivemos numa democracia.

O que não considero justo é que quem queira ver filmes legendados não tenha essa opção. Não me importo que existam salas de filmes dublados. O que me incomoda é querer ver um filme, no cinema, e ser obrigado a vê-lo dublado por não ter uma opção legendada. Se algumas pessoas podem ver um filme dublado, gostaria de também poder vê-lo legendado.

E se você acha que a situação não é tão grave assim, dá uma olhada na programação dos cinemas, e compare o espaço dado aos filmes dublados comparados aos legendados.

Preocupante, não?

E infelizmente a tendência é piorar.

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