quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Amazonas Film Festival 2012 - Crítica: Compliance, de Craig Zobel

Por Diego Bauer


Filmes desagradáveis, de difícil digestão, sempre provocam opiniões divergentes na plateia. Há os que gosta e há os que odeiem. Sempre tive uma visão meio neutra em relação a isso, pois há filmes desagradáveis de se assistir que são maravilhosos, ao mesmo tempo que há uma série de trabalhos que querem provocar reações exacerbadas na plateia, escondendo uma narrativa pífia, que não chega a lugar nenhum, tentando chocar quem assiste utilizando-se de artificialismos formulaicos.

Na minha opinião, o problema só existe quando a plateia não se permite conhecer esse estilo de filme, com o surpreendente argumento de que não precisam ver a maldade, o lado ruim, ou as coisas desagradáveis presentes nas pessoas da sociedade em que vivemos, afirmando que filmes desse tipo corroboram esse comportamento. Com isso, elas acabam mostrando uma visão rasa e deturpada da proposta por trás desse tipo de filme, e assim se privam de experiências fantásticas proporcionadas por essas obras, pois situações como essas também fazem parte do significado do que é arte.

E "Compliance" é um belo exemplo disso.

A trama do filme se passa em uma lanchonete. A gerente da loja, Sandra (Ann Dowd) recebe um telefonema da polícia, do Oficial Daniels (Pat Healy) dizendo que uma mulher foi até a sua delegacia e acusou uma de suas atendentes, Becky (Dreama Walker) de furto, e que inclusive o dono da loja já havia sido acionado, e estava ao lado do policial incentivando-o a ligar para a gerente e verificar essa situação. 

Pressionada, Sandra chama Becky para uma sala, e depois de questiona-la, por diversas vezes, se ela havia feito o roubo, a suposta assaltante nega tudo veementemente. O Oficial Daniels afirma que no momento não tem como mandar uma equipe para o local, por estar em uma operação na casa de Becky, afirmando que ela pode estar envolvida em uma trama ainda maior, e com isso, pede para que Sandra reviste a suspeita. Só que com o tempo, os pedidos do Oficial Daniels vão ficando cada vez mais estranhos e invasivos, causando uma série de traumas para Becky.

Iniciando o filme, com letras gigantescas, aparece a mensagem de que o filme é baseado em fatos reais. Na grande maioria dos casos, esse é um artifício utilizado por filmes de narrativa pobre, que se utilizam do fato para ganhar credibilidade com o público, como se fossem muletas. Mas, em "Compliance", essa escolha se mostra acertada, pois o que vemos no decorrer da trama seria realmente difícil de acreditar se não fôssemos alertados por essa mensagem.

Mas depois de um certo tempo, o que é difícil de acreditar transforma-se em algo possível de percebermos que é perfeitamente factível, ainda mais em um país como os Estados Unidos, em que a crença nas Instituições, em especial a polícia, é seguida de maneira quase cega e religiosa.

O trabalho, que foi escrito e dirigido de maneira brilhante por Craig Zobel, nos remete ao clássico de Michael Haneke, Violência Gratuita (1997), e acerta em pontos importantes da trama. Como ao revelar, antes da metade do filme, que aquilo se trata de um trote, mostrando a pessoa por trás daquilo logo, pois o diretor sabe que rapidamente perceberíamos que as exigências, cada vez mais invasivas, do policial eram bastante desconfiáveis, e assim nos torna testemunhas do drama vivido por aquela moça, sem que possamos fazer nada para ajuda-la. Zobel nos torna impotentes e, de certa forma, cúmplices com o absurdo que estamos vendo.

Também é fantástico ao mostrar como o comportamento das pessoas muda em uma situação como essa. Becky, que começa como suspeita de furto, com o passar do tempo é julgada e condenada por Sandra, mesmo que a única evidência de que ela realmente roubou o dinheiro, seja o depoimento de uma pessoa que diz ser policial, que ela nem conhece. Além de mostrar como o namorado de Sandra, Van (Bill Camp), primeiro se mostra desconfortável com a situação, mas que depois de certo tempo, também se aproveita dela, com o álibi de que ele só estava fazendo aquilo por receber “ordens superiores”.

O filme também mostra uma capacidade fenomenal em desenvolver uma trama envolvente, com tantos momentos distintos, todos de emoções bem fortes, mesmo sendo quase todo feito em apenas uma sala. Isso mostra uma forte coesão entre roteiro, direção e a interpretação dos atores, que está um alto nível, sem que nenhum ator se sobreponha a outro.

Antes da exibição de seu filme, Zobel disse que ele foi inspirado nessa história real, mas também em estudos psicológicos que colocam pessoas comuns tendo que fazer coisas que desaprovam, que ferem os seus princípios, pelo fato de uma pessoa em um status superior garantir que ela tem que fazer, e que o profissional no comando assume a responsabilidade pelo que vier a acontecer. Ele afirma que foi atrás desse estudo, por ter tido bastante dificuldade em acreditar que esse tipo de situação retratada pelo filme realmente aconteceu dessa forma. E como foi constatado por ele, e é mostrado no final do filme, isso aconteceu não apenas essa vez, mas muitas outras vezes nos Estados Unidos.

E se fiquei angustiado, tenso e incomodado no decorrer da história, no final me senti imensamente recompensado por ter visto um filme desagradavelmente brilhante.

NOTA: 9,0

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