quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Crítica: Intocáveis, de Olivier Nakache e Éric Toledano

Por César Nogueira


A França legou ao mundo, com sua revolução de 1789, os ideais de liberdade, igualdade e fraternidade. Pátria de onde saiu o primeiro filme da história, ela vem enfrentando tensões sociais relacionadas aos imigrantes, principalmente os vindos de suas ex-colônias da África. Racismo, xenofobia e preconceito religioso caracterizam estas tensões, que desconstroem a beleza dos ideais que norteiam o país.

Naturalmente, esta aresta da sociedade francesa já foi tema de filmes. Há aqueles que a exploram mais diretamente, como Entre os Muros da Escola. Outros mostram a força dela por retratarem-na em contextos aparentemente pouco propícios para discussões sobre preconceito, como o longa sobre le parkour Yamakasi.

Intocáveis também poderia seguir o caminho da crítica social. Afinal de contas, trata-se da relação entre um imigrante negro e pobre e um milionário tetraplégico e branco. Em vez disso, os diretores Olivier Nakache e Éric Toledano optaram pelo foco na amizade dos dois, que melhora a ambos e supera diferenças sociais. Dessa forma, poderíamos facilmente ter um feel-good movie genérico de tamanho médio.

No fim das contas, acrescentados humor ácido ali e mensagem humanista acolá, o temos.

Driss (Omar Sy) mora na periferia de Paris e mantém o dinheiro que recebe do governo com cartas de empresas que comprovam que está procurando emprego, coisa que, na verdade, o ex-presidiário não quer. Essa sua malandragem dá errado quando vai a uma entrevista de emprego na casa do aristocrata Philippe (François Cluzet). Este, tetraplégico e podre de rico, contrata Driss por ser espontâneo e, principalmente, por não ter demostrado subserviência a ele por conta das suas posses e nem piedade por causa da sua condição física. Assim, inicia-se a amizade entre os dois "párias da sociedade".

O nome do filme se refere à casta mais discriminada da sociedade indiana

Philippe ganha um amigo que o enxerga para além do explícito. Influenciado por Driss, torna-se menos formal, especialmente com as mulheres. Por outro lado, Driss, incentivado por Philippe, conhece mais sobre suas aptidões artísticas e, graças ao trabalho, se torna mais responsável e consciente do seu papel na sua família desestruturada.

A abordagem de Intocáveis se parece com a de A Banda, que mostra a relação entre um árabe e uma judia. Tal como neste filme israelense, os protagonistas da história francesa mostram como a amizade pode desconhecer construções culturais como etnia e classe social, valorizando, dessa forma e acima de tudo, o humano. A diferença entre os dois filmes é o açúcar, que é acentuado em Os Intocáveis. No filme, não faltam lições de moral e cenas que apelam para o melodramático, como a explicação de Philippe para a contratação de Driss, digna dos mais baixos exemplares de subliteratura.

Este elemento é minimizado com as atuações de Omar Sy e François Cluzet. Os dois notoriamente se divertem com a história e constroem os personagens com respeito a ela. É difícil de se afirmar se é mais interessante a autoconfiança ora ingênua, ora gaiata, de Driss ou a conformação altiva e autoirônica de Philippe perante sua condição irreversível. O timing cômico deles é de uma acidez e afinação bem próprias. Potencializam-no cenas como a descrição do prazer sexual que Philippe sente pelos lóbulos ou o conhecimento de Driss sobre música clássica por causa de Tom&Jerry.

As duas maiores arestas do filme são, seguramente, a família de Driss e a filha de Philippe. Enquanto esta não faria falta à história se não existisse, aquela não tem seus dramas desenvolvidos. Praticamente intuímos a barra por que eles passam e não sabemos direito quem é irmão, tio, primo, papagaio e periquito, pois essas informações não são ditas e muito menos mostradas. Porém elas também são minimizadas pela atuação da dupla de protagonistas.

Intocáveis foi a sensação do cinema francês de 2011 e é apontado como um dos favoritos ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro do ano que vem. A obra tem seus méritos artísticos, mas o fator político contribui, e muito, para o hype em torno dela. Afinal de contas, a história de uma amizade que desconhece etnia e classe social veio em boa hora num país com crise de identidade e que não está sabendo lidar com a diferença. Para se ter mais noção de como está a situação, basta lembrar das brigas dentro da seleção francesa de futebol.

Se fizermos uma análise comparativa desconsiderando fatores "fora da tela", não seria exagero afirmar que o nosso indicado para tentar a vaga no Oscar, O Palhaço, é mais filme que Intocáveis por conta de sua narrativa, fotografia e sensibilidade e por não precisar usar essas e suas outras qualidades para camuflar arestas.

Diante do exposto, deixo duas perguntas: Os Intocáveis é ajudado pelo fator político até em que ponto? E é saudável passarmos panos quentes nas falhas do filme por causa das atuações brilhantes dos protagonistas?  Vamos batendo bola nos comentários.

Nota:8,0

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