domingo, 9 de janeiro de 2011

Crítica: Além da Vida

Por César Nogueira, produtor do SET UFAM

Recentemente, o diretor mexicano Alejandro González Iñarritú disse que não entendia por que os americanos estranharam a sua franqueza ao falar sobre a morte no seu mais recente filme, “Biutiful”. “Os americanos explodem tudo e matam dúzias nos seus filmes, mas falar abertamente sobre a morte é estranho para eles”, disse. O argumento de Iñarritú é coerente e acertado. Só não é regra geral por causa de exceções, e duas delas vieram de um mestre do cinema. Clint Eastwood falou aberta e sensivelmente sobre a morte primeiro em “Menina de Ouro”, e agora volta ao tema com Além da Vida.


Como “Babel” e “Amores Brutos”, de Iñarritú, Além da Vida nos conta simultaneamente três histórias que de alguma forma se unem no final. O protagonista da nova obra de Eastwood não é uma pessoa, como nos dois filmes do mexicano. A morte protagoniza os dramas do médium George (Matt Damon), da jornalista Marie (Cécile de France) e do garoto Marcus (Frankie McLaren). George é um operador de máquinas que um dia fazia “comunicações” dos mortos com parentes vivos. Largou a paranormalidade porque ela representava um peso para as suas relações sociais e emoções, e o seu irmão mais velho insiste que ele volte a esse trabalho. A jornalista Marie sobreviveu a um tsunami na Tailândia e teve uma experiência de quase-morte. Ela viu o “túnel branco” e, de volta a Paris, quer escrever um livro sobre a experiência, apesar das insistências contrárias. Já o garoto Marcus vivia com a mãe viciada em heroína e com o irmão mais velho doze minutos, Jason (George McLaren), que morre atropelado. Depois da perda, Marcus terá que aprender a se virar sozinho e a duras penas.

As três histórias são igualmente bem trabalhadas. Não são três curtas juntos em um filme, e sim três dramas que formam um todo maior do que as partes. A morte não é tratada como o fim de tudo (apesar desse ponto de vista ser mostrado no decorrer do filme), mas sim o início de uma outra existência. Nas mãos de Eastwood, esse argumento ganha tons de amor à vida, em vez de pregação religiosa ou bicho-grilagem. Isso é evidenciado claramente quando George diz que uma vida centrada na morte não é vida. Todos os três “coadjuvantes principais” mostram competência nos seus papéis. Damon incorpora um alter-ego jovem de Eastwood: um homem durão, de passado conturbado, mas de extrema sensibilidade. De France vive uma mulher que tinha todo o conforto e se vê impotente perante a força da natureza e, principalmente, ao descrédito das pessoas. McLaren se destaca mais que todos, pois, além de não ir pelo caminho óbvio de incorporar um garoto revoltado, atua com tanta força quanto os adultos, talvez até mais.

Além da Vida ganha força nos detalhes. Situações como a primeira comunicação de George, montada sem muitos explicações, para dar a impressão de ser charlatanice, e as propagandas de smart-phones estreladas por Marie em princípio não querem dizer muita coisa, mas no decorrer do filme vemos que elas têm muita importância de existir. Outro detalhe interessante é o acidente grave que McLaren escapa. A tragédia poderia ser trabalhada por um ponto-de-vista político se não tivesse servido para “dar caldo” à narrativa, e isso bastou.

O tom cinza é apropriado a um filme sobre a morte. Ele seria mais eficiente se não desse brechas a clichês. Todos nós já vimos filmes mostrando Londres como uma cidade meio deprê. Eastwood não escapa a isso (pelo que me consta, não daria para escapar), mas poderia ter exagerado menos nos momentos felizes de Marcus, que são iluminados por um sol tímido, e a chuva repentina em um encontro dele com a mãe acrescenta nada ao filme. Outra falha foi situar Paris ao espectador quase sempre com a Torre Eiffel. Dessa maneira, parece que só poderíamos saber quem iríamos acompanhar se fosse esfregado nas nossas caras um dos símbolos da França. Apesar disso, as transições de uma história para outra têm boas sacadas, como o audiobook britânico de Charles Dickens (que, aliás, têm um sentido para o desenvolvimento da narrativa) sendo um prenúncio do arco de história de Marcus.

Clint Eastwood vinha de dois filmes mais ou menos. Gran Torino e Invictus tinham falhas e forçadas de barra gritantes. Dentre as críticas sobre Invictus, uma admitia os clichês do roteiro e a atuação afetada de Morgan Freeman, mas os perdoava porque nas mãos de um mestre eles ficam toleráveis. Além da Vida não precisa de (tantos) panos quentes para ser apreciado e mostra por que temos que aprender muito com o velho Clint. O diretor nos ensina desde os tempos dos faroestes italianos a como desafiar as convenções e as ideias generalizantes - sejam do cinema, sejam da vida.



NOTA 8,5

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