sábado, 25 de fevereiro de 2012

Crítica: A Invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese

Por Diego Bauer

 Recordo-me de um clipe bem legal dos Smashing Punpkins, chamado Tonight, Tonight em 1996. Apresentando bastante criatividade contando a história através de um filme mudo, o clipe é uma homenagem declarada ao filme Viagem à Lua (1902) de Georges Méliès. Mais do que fez o vídeo da banda americana, A invenção de Hugo Cabret, de Martin Scorsese, se mostra como uma homenagem não apenas ao cineasta francês, mas também à origem do cinema.

Hugo (Asa Butterfield) é um garoto que vive numa estação de trem juntando peças para reconstruir um autômato depois da morte de seu pai (Jude Law), além de tomar conta dos relógios do local. Passando por dificuldades, ele se vê obrigado a realizar pequenos furtos para sobreviver, mas certo dia é flagrado em uma loja de brinquedos, e acaba sendo forçado a trabalhar para o dono da loja para não ser entregue ao implacável guarda do lugar (Sacha Baron Cohen). No local, ele acaba se tornando amigo de Isabelle (Chloe Moretz), filha adotiva do comerciante, que é nada menos que Georges Méliès (Ben Kingsley), pioneiro cineasta que passou por uma grande decepção em sua vida, e nem quer mais ouvir falar em cinema. Juntos eles tentam descobrir o que aconteceu com Méliès para que ele tentasse esquecer de todas as formas o seu passado como cineasta.

Sendo contada pelo ponto de vista do garoto, o filme propositalmente adota um olhar inocente, doce, mas sofrido sobre os acontecimentos que passam pela vida de Hugo, meio que mostrando todas essas emoções de uma forma bastante intensa, como uma criança veria.

E é com esse olhar que Scorsese mostra todo o seu carinho e admiração pela sua profissão, e por aqueles que a ajudaram a se tornar o que ela é hoje. Além disso, o filme é, ao mesmo tempo, uma aula e uma homenagem ao cinema. Começando pelos irmãos Lumière e seu “show de mágica” com A chegada do trem na estação (1896) que apavorava o público, causando a ilusão de que o trem iria na direção da plateia. Passando por um delicioso momento de O Homem mosca (1923), além de O Garoto (1921), A General (1927) e outros.

Fica claro como Scorsese respeita e admira esses filmes, por suas qualidades e importância. Note a maneira entusiasmada com que as crianças assistem ao filme no cinema, e como Hugo e Méliès se referem de maneira apaixonada ao cinema, chegando a compará-lo a sonhos.

Mas A invenção de Hugo Cabret também traz a clara mensagem de que o tempo é implacável, mesmo para aqueles que fizeram história, e tiveram grande destaque no que realizaram. Mostra o quanto a fama é descartável, perecível e ingrata, e como acontecimentos da vida (no caso do filme, a guerra) podem fazer com que todo um árduo trabalho feito com dedicação e amor seja esquecido facilmente pelas pessoas.

Ao mesmo tempo, mostra a necessidade de valorizar os grandes nomes do passado, e destacar o seu valor e sua importância para a arte como ela é hoje. Como na cena em que um admirador de Méliès vai à casa dele e diz à sua mulher como o seu marido havia sido importante para ele na sua infância, e vemos o olhar emocionado dela, apresentando sincera gratidão por um agradecimento cada vez mais raro em dias como aqueles, tantos anos depois dos seus momentos de glória.

Mas a melhor cena da história é a que mostra como Méliès fazia os seus filmes, semelhante a um teatro filmado. Scorsese acerta em cheio nesta sequência. Note que ela é bastante longa, como se o diretor fizesse questão de mostrar como o trabalho de Méliès era apaixonado e revolucionário para a época. Em seus filmes ele trabalhava como diretor, roteirista, ator, produtor, cenógrafo, figurinista e fotógrafo.

Além disso, este momento mostra para os mais novos, como o cinema de antigamente era feito, de uma maneira bastante artesanal, com um pé bem grande na teatralidade, bem diferente da que conhecemos hoje. Apenas cineastas como Scorsese teriam capacidade de fazer esta cena com tanta sensibilidade. Aula de cinema.

As atuações do filme são precisas e muito bem desenvolvidas. Asa Butterfield traz para Hugo um correto tom de: criança. E acredite, isso é algo bastante louvável. É comum em filmes como esses, em que as histórias são contadas através de crianças, que elas tenham um tom mais adulto do que deveriam, e acabem se afastando do fato de que são: crianças. Mesmo que Hugo tenha que lidar com uma realidade imprópria para sua idade, com furtos, trabalho infantil, e a perda da escola, ele encara tudo com isso com a convicção e o profundo sofrimento que uma criança teria. Nada mais que isso, e se sai muito bem.

Chloe Moretz também está ótima, e faz um belo par com o protagonista, trazendo doçura e, por que não, aventuras para a vida de Hugo. Além de ser através do personagem dela, que o filme também cria uma oportuna homenagem à literatura.

Sacha Baron Cohen apresenta um trabalho ótimo como o guarda da estação. Mesmo sendo uma espécie de vilão da história, Cohen é o principal alívio cômico do filme, mostrando um ótimo timing para comédia. Mas o seu trabalho se mostra mais do que apenas um tipo excêntrico, como quando vemos a sua tentativa de conquistar uma moça que vende flores. A cena em que uma mulher fala para ele dar o seu “melhor sorriso” para a florista é um ótimo momento cômico, mas que também serve para dar interessante complexidade ao seu personagem.

Mas sem dúvida a melhor interpretação do filme fica para Ben Kingsley. Mostrando diferentes faces de Georges Méliès, que a princípio se apresenta como um homem amargurado e infeliz com o rumo que sua vida tomou, somos tomados de assalto por um Méliès apaixonado, charmoso e extremamente feliz quando no auge de suas atividades, a princípio como mágico e depois como cineasta. Trazendo consigo grande carga dramática, Kingsley diverte e emociona o espectador com uma interpretação precisa e admirável.

Tecnicamente o filme também é brilhante. Apresentando cenários bem desenvolvidos e ricos em detalhes, o filme tem uma primorosa direção de arte, que retrata bem a Paris da década de 30. A fotografia também se mostra competente, e uso do 3D, do qual não sou nem um pouco entusiasta, se mostra correto, trazendo um interessante paradoxo entre o tradicionalismo do início do cinema e a tecnologia do cinema atual.

Em certo momento do filme, Hugo diz para Isabelle que se o mundo fosse uma máquina, cada coisa teria que ter uma função nele. Bem, depois de assistir ao filme, posso dizer que se o mundo realmente fosse uma máquina, a função de A invenção de Hugo Cabret seria emocionar, e homenagear aqueles que ajudaram o cinema a ser a arte que é hoje.

E nisso, ele cumpriu sua função com maestria.

 
NOTA: 8,5

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