sexta-feira, 6 de maio de 2011

Classic Movies - Festim Diabólico (1948)


Alfred Hitchcock ultrapassou as barreiras da genialidade neste brilhante suspense psicológico. Trata-se de um dos melhores suspenses de todos os tempos. Caso você vá assistir ao filme pela primeira vez, prepare-se para enfrentar uma tensão crescente. Conseguir passar essa aflição para as cenas com tanta intensidade é uma característica do incomparável diretor: Hitchcock. 

Festim Diabólico trata da realidade, apresentando as atitudes e emoções humanas nas suas melhores e piores formas, e mostra-se interessante tanto como entretenimento, quanto para uma análise aprofundada de seus personagens. 

Vale a pena conhecer um pouco de como este filme foi feito, pelas técnicas bem peculiares que foram utilizadas. Totalmente gravado em estúdio, este é talvez o filme mais experimental do diretor e, portanto, o mais ousado. Além de ter sido seu primeiro filme colorido, foi filmado em apenas oito tomadas de dez minutos cada uma. Dez minutos de filme, para a época, era o máximo que um rolo de filme podia suportar. Mas boa parte dos cortes presentes entre essas tomadas são imperceptíveis: Hitchcock utilizou truques de edição para tentar disfarçar o máximo possível a passagem entre os poucos rolos de filme utilizados. Por exemplo, aproximando o foco de um local escuro para, no próximo rolo, filmar em zoom out a partir daquele local. Assim surgia o estilo de filme paisagem, de uma cena só! 

Imagine o trabalho de filmar uma cena de dez minutos! O estilo teatral do filme, portanto, é bem evidente: tudo bem coreografado, através da repetição, até que a cena saísse perfeita (Hitchcock era sempre perfeccionista). Durante as filmagens, apenas um segmento por dia era finalizado. Genialidade demanda muito trabalho e paciência. 
O enredo de Festim Diabólico é simples, mas repleto de personagens que tornam o filme complexo e dinâmico, no sentido de imprevisível. É levemente baseada em um caso real: em 1924 os jovens Leopold e Loeb (19 e 18 anos, respectivamente), raptaram e mataram um garoto de 14 anos chamado Bobby, na cidade de Chicago. O caso teve grande repercussão em jornais da época. Ambos foram julgados, mas conseguiram escapar da pena de morte, sendo apenas aprisionados. Loeb morreu na prisão, e Leopold saiu dela após 45 anos, morrendo no início dos anos 70. Era quase evidente que ambos eram homossexuais (isso nunca foi tido como certo). Em Festim Diabólico, Hitchcock baseia-se apenas na ideia geral para criar o roteiro (e mantém a suspeita de homossexualismo, da forma mais sutil possível). 

No filme, o crime tem motivo intelectual: na cidade de Nova York, Brandon (John Dall) e Phillip (Farley Granger, de Pacto Sinistro, outro clássico de Hitchcock) assassinam seu amigo David, por considerarem-se superiormente intelectuais em relação a ele. O assassinato, com uma corda (Rope, o título em inglês) é a primeira cena. Com frieza e arrogância, eles resolvem provar para eles mesmos sua habilidade e esperteza: esconderão o cadáver em um grande baú, que servirá como mesa e estará exposto no meio da sala de estar do apartamento deles, durante uma festa que realizarão logo em seguida. 

Tudo se torna ainda mais bizarro ao descobrirmos que entre os convidados estarão o pai, a noiva e a tia da vítima, além do outro pretendente de sua noiva, Kenneth. Completando a lista de pessoas presentes na festa, está a senhora Wilson (a empregada) e principalmente Rupert Cadell (o imortal James Stewart, de Janela Indiscreta). Rupert é o professor da dupla de assassinos, cujas opiniões em classe, entendidas de forma equivocada por eles, acabaram motivando-lhes a cometer o crime. 

Temos, então, a tentativa de se criar o assassinato perfeito. Mas Festim Diabólico não se reduz a isso. Hitchcock nos proporciona uma obra que vai crescendo em tensão e complexidade a cada nova tomada sem cortes (é o filme onde ambos – técnica e conteúdo – são magistrais). Tudo começa a ficar ainda melhor quando Brandon, arrogante, começa a jogar pistas, sutilmente, sobre o crime que acabara de cometer e, à medida que o professor Rupert vai começando a desconfiar dessas pistas. Phillip, já mentalmente desgastado, começa a sucumbir ao medo de ser descoberto. 

Esse filme comprova que uma obra não precisa de elementos espetaculares para ser boa. Seus personagens e enredo são suficientes para segurar a atenção do espectador. É interessante destacar que para muitos críticos este não é um filme tão respeitável do diretor quanto Psicose ou Janela Indiscreta, por exemplo. Na época de seu lançamento, fracassou crítica e comercialmente. Mas, com o tempo, todos viram seu grande valor. Roteiro magnífico, atores em interpretações impecáveis (James Stewart fascinante como sempre, mesmo sem ser o protagonista), e uma técnica original (mesmo para os dias de hoje) culminam em uma obra-prima – mais uma – de um dos melhores diretores de todos os tempos.

Filme essencial para os cinéfilos. 


PS: Em 2002, foi lançado Cálculo Mortal, um filme baseado no mesmo caso de assassinato, onde Sandra Bullock é a protagonista. É um bom filme, embora bem diferente de Festim Diabólico, exceto pelo tema.

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