quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Crítica: O Voo, com Denzel Washington

Por Susy Freitas


A batalha de um indivíduo contra um inimigo é um assunto recorrente desde as narrativas mais clássicas da história humana. É esse o tipo de história em que mais claramente torcemos pela vitória do mocinho e pela derrota do vilão. Em “O Voo”, o palco em que é travada a luta é preenchido de áreas cinzas, a começar pelo herói nada bonzinho e pelo alcoolismo como inimigo.

O tal herói é Whip Whitaker (Denzel Washington), que equilibra a qualidade de ser um ótimo piloto de avião com o fato de ser alcoólatra e usuário de drogas. O público acompanha sua história a partir da manhã anterior ao voo que dá nome ao filme, no qual Whip, para cortar o efeito da bebida, cheira cocaína e vai para o trabalho “ligadão”. A ponte aérea se torna um pesadelo quando o avião apresenta problemas, e o piloto, milagrosamente, aterrissa a aeronave em um descampado da maneira mais bizarra possível e salva a vida de quase todos a bordo.

Se você não viu flashes desse segmento do filme no trailer, aconselho a guardar a louca surpresa para assistir no escurinho do cinema. As cenas que antecedem o acidente e o momento em que Whip realiza a sua façanha são de um realismo impressionante e é o momento no qual a montagem mais se destaca no filme. Quem tem medo de avião vai gelar na cadeira!

Com Whip sendo saldado como herói, é nesse momento que o diretor Robert Zemeckis decide tirar o foco da espetacularização do acontecimento (o que também poderia resultar em um filme interessante) para acompanhar os dilemas éticos do piloto. E não falta dilema nesse filme: a aeromoça com quem Whip estava se envolvendo morreu no acidente, sua ex-mulher e filho não querem vê-lo por causa dos problemas com a bebida, o qual ele não assume, algumas pessoas envolvidas na investigação acreditam que o acidente foi culpa de Whip e, enquanto isso, a bebida corre solta pela casa do piloto.

A válvula de escape para a pressão que Whip sente é Nicole (Kelly Reilly), uma viciada em recuperação que ele conheceu no hospital. Num momento inicial, a personagem dá a impressão de que apareceu na trama para ser o novo interesse romântico do protagonista, mas acaba que ela é a maior responsável pelos momentos arrastados da trama. A dificuldade de Whip de largar a bebida contrasta com a recuperação de Nicole, mas ainda assim isso não imprime mais profundidade à personagem. Ao fim do filme, dá a impressão que a moça surgiu do nada e voltou ao nada, pois não acrescenta algo à trama.

Mais interessante é o momento em que a trama foca nas questões legais que Whip precisa enfrentar. Afinal, seis pessoas morreram, e, segundo o advogado Hugh Lang (Don Cheadle), alguém precisa ser responsabilizado. O destino, porém, está ao lado de Whip a todo o momento, favorecendo as evidências que inocentam o piloto de maneira quase irreal, o que só frisa ainda mais o fato de que o verdadeiro inimigo que Whip precisa enfrentar mora dentro dele mesmo.

É a própria luta contra a bebida que, no último terço do filme, já cansa um pouco o espectador, que não para de se frustrar com a falta de controle do protagonista. Apesar de tudo, esse sentimento parece proposital por parte de Zemeckis, uma vez que ele retrata um vício que destrói a vida de tantas pessoas todos os dias. A escolha de Denzel Washington para o papel principal foi mais que acertada pra gerar o feeling da trama, pois quando o ator não se ocupa de papeis esquecíveis de homens super íntegros e impenetráveis, ele faz um trabalho muito mais interessante e de acordo com seu talento.

Vale destacar também a competência dos coadjuvantes (de luxo) de “O voo”. Destacam-se aí o hilário traficante Harling Mays (John Goodman, que parece ter saído de um filme dos irmãos Coen), o rígido advogado Hugh Lang (que até merecia mais destaque) e a advogada Ellen Block (Melissa Leo), que bem que poderia ter gerado mais tensão como a principal antagonista de Whip.

De maneira geral, Zemeckis sabe a fórmula para criar bons filmes com cara de Oscar. Em “O Voo” essa fórmula não é aplicada com maestria, tal como o diretor fez em “O Náufrago”, mas ainda assim o produto final é um filme que consegue equilibrar uma trama complexa que não enrole a cabeça do espectador e, de quebra, ainda ser indicado ao Oscar de Melhor Ator e Melhor Roteiro Original. Quem viver até 24 de fevereiro, data da entrega do prêmio, vai saber o quão reconhecido “O Voo” será pela Academia.

Nota : 7,5

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