domingo, 5 de junho de 2011

Cult Movies - Bird (89)

            Por Renildo Rodrigues
  
Clint Eastwood. 

Nome que é sinônimo de bons filmes, certo? O que hoje parece óbvio ao espectador um dia já esteve longe de ser verdade.

 
Em 1988, Eastwood tinha uma história estranha. Ator que durante muito tempo parecia relegado a comerciais e filmes de segunda linha, Clint um dia teve a sorte de ser convidado pelo diretor italiano Sergio Leone a estrelar um dos faroestes mais memoráveis do cinema: Por um Punhado de Dólares (1964). A parceria, que fez sucesso imediato, ainda nos renderia Por uns Dólares a Mais (1965) e aquele que talvez seja o filme definitivo do gênero (um dos, na verdade; seria uma grande injustiça com Rastros de Ódio, Shane ou Onde Começa o Inferno): Três Homens em Conflito (1966). Pronto. Ali nasciam duas lendas do cinema: o diretor Leone e o caubói Clint. Mas ninguém perguntou o que ele achava disso.

Eastwood queria mais. O matuto da Califórnia era sensível e tinha um gosto refinado para a música e a literatura, o que não cabia nos papéis de durão que lhe ofereciam. Após um rompimento cheio de rusgas com Leone, Clint ainda passou um bom tempo se enquadrando nos filmes de ação que desprezava. Findo o trabalho no primeiro Dirty Harry (Perseguidor Implacável, 1971), o ator resolveu se arriscar na direção: rodou o suspense Perversa Paixão (1971) e o western O Estranho sem Nome (1973). Apesar deste último ser hoje considerado um clássico, a recepção aos primeiros filmes de Eastwood variou entre indiferente a negativa. Hesitante, desacreditado, o caubói teria um longo caminho a percorrer.

 Ao todo, foram necessários quinze anos e doze filmes para o jogo mudar. Tudo porque Clint demorou a se dar conta de que era preciso seguir o seu próprio caminho, e não imitar o estilo dos colegas. O marco dessa mudança é Bird (1988). Um aficcionado por jazz desde a infância, Clint resolveu prestar tributo a essa música com uma biografia de um de seus ícones máximos: Charlie “Bird” Parker (1920-1955). Saxofonista genial e trágico, criador da vertente acelerada do bebop, Parker teve a vida marcada pela falta de reconhecimento profissional e pelo vício em heroína. Esse é o mote para uma das obras mais pungentes do diretor.

 Parker (vivido com brilho por Forest Whitaker, o que lhe valeu o prêmio de Melhor Ator em Cannes) tem sua vida mostrada desde o início, quando era um garoto pobre em Kansas City. A paixão pela música, o estudo obsessivo do saxofone, a parceria com Dizzy Gillespie (Samuel E. Wright), a eminência do bebop, até a longa e triste batalha contra as drogas, são condensados em um filme acessível, cheio de grandes cenas. A admiração de Eastwood por Parker e o seu encantamento pelo jazz contaminam o espectador, que chega ao final emocionado e lamentando a perda desse talento.

O filme levou o Oscar de Melhor Som em 1989, além do Globo de Ouro de Melhor Diretor para Eastwood. Dando finalmente vazão a seus interesses pessoais, o diretor acertou o caminho com um cinema questionador e introspectivo, que levaria, nos anos seguintes, a obras do nível de Os Imperdoáveis (1992), As Pontes de Madison (1995), Sobre Meninos e Lobos (2003) e Menina de Ouro (2004). 

A paixão de Eastwood por jazz o levaria ainda a gravar discos com músicos parceiros, entre os quais as trilhas sonoras de Sobre Meninos e Lobos e A Troca (2008) e a prestar novos tributos, desta vez aos cantores Johnny Hartman e Dinah Washington (na trilha de As Pontes de Madison) e ao pianista Thelonious Monk (no ótimo documentário Straight, No Chaser, sobre o músico, também lançado em 1988).

Mas sua mais bela homenagem é mesmo a cinebiografia de “Bird” Parker.


P.S.: O filme infelizmente não tem edição nacional, o que força os interessados em Eastwood ou Parker a importarem uma cópia (como foi o meu caso) ou a contarem com a ajuda da televisão (se servir de esperança, descobri o filme na sessão de domingo de madrugada na Band).

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